segunda-feira, 29 de maio de 2023

DEPOIS QUE MORREM

 sei para onde vão as mães

depois que morrem

a saudade forma um túnel

e a luz que vem

em sentido contrário

as transformam em cinzas e ossos

 

sei para onde vão os automóveis

depois que morrem

o desejo forma uma esteira

nivelando tudo ao solo

e os transformam em borracha e óleo

 

não sei para onde vão os poemas

depois que morrem

aqui por exemplo

deveria ser outra palavra

e aqui outra

e ali outra

ESPERAR

 cansei de esperar pessoas

espero coisas

espero a noite carregada de anexos

estrelas nuvens escondidas

lua sobreposta à cicatriz do céu

a escuridão ancorada na memória

depois virão outras coisas

talvez carregadas de pessoas inesperadas

talvez livres me abracem

como seu eu fosse

uma coisa qualquer

 

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2023

BEIRA DO LUGAR

vou aonde me cabe

onde me sobra

aonde me cobra

estar por fora


vou aonde me acende

onde me entende

onde me aguarda

estar ausente


vou aonde me dobra

onde me sopra

aonde me prega

estar para sempre

segunda-feira, 7 de novembro de 2022

RUA BENFICA

 

o mais antigo

numa casa antiga

é o silêncio

divide o corredor com o tempo

ambos trôpegos

quase abraçados

espalham grossas paredes

e quando respiram

expiram outras casas

enfileiram ruas

trocam passos por automóveis

tudo é frágil e transitório

o mal não sabe o que significa

a rua não sabe onde acaba

e o bem fica pendurado numa placa

segunda-feira, 10 de outubro de 2022

DE PRESSÕES

o antidepressivo não faz mais efeito

não encontro um buraco que me caiba

ultrapasso o mundo com meus medos

nem sou mais segredo mesmo que me abram

não vão encontrar a fonte

tudo é água toda funda no silêncio emparedada

tudo é casca do inexistente miolo

repleto da coreografia das estátuas

           

 

segunda-feira, 3 de outubro de 2022

AQUELES DIAS DE DESESPERO

 

nos dias que bate um desespero

dá uma vontade de arrancar os cabelos

separar a alma do pelo

vontade de inundar o vento de novelos

ampliar o corpo em pedaços

pendurar os gritos nos terraços

esquecer da pessoa que mora no corpo

pensar que está morto

e transportá-lo para um buraco imaginário

ou até mesmo se jogar num aquário

cuja água não alcance o fundo


tem dias que bate um desespero

e a força do revide vindo em sentido contrário

nos mostra que o desespero

é mais medo do desconhecido

do que nos parece sabido

então o desespero bate bate bate

até que uma hora cansado

senta ao nosso lado 

a espera do retorno do fôlego

mas nos recuperamos antes

e diante dele e de nossas cicatrizes

aprendemos que não podemos ser felizes

se ficarmos passivos ao seu lado

então de súbito partimos

depois de tê-lo enterrado

quarta-feira, 7 de setembro de 2022

VERÃO PASSADO

 

o verão passou

e você permaneceu calada

esperei aquela palavra

ou melhor

qualquer palavra

parecida com um outono menos amargo

ou qualquer outra estação

onde você desembarcasse

sem sustos

sem malas

 

DEPOIS QUE MORREM

  sei para onde vão as mães depois que morrem a saudade forma um túnel e a luz que vem em sentido contrário as transformam em cinz...