quinta-feira, 30 de dezembro de 2010
ANJOS DE COLA
flertam com os anjos
para os transeuntes
os anjos não existem
por sua vez os anjos
penduram suas lembranças
na noite e decolam
com suas asas de cola
AMONTOADOS
uns sobre os outros
o primeiro quase esmagado
o último mais aliviado
e queremos nos situar
sempre no melhor momento
mas não há tempo
os dias nos tornam
iguais a eles
e vamos nos amontoando
uns sobre os outros
quarta-feira, 29 de dezembro de 2010
PIER PROVISÓRIO
vou sumindo
o melhor túnel que consegui
agora sei dos pensamentos
dos ventos ancorados
marinheiros vestem sonhos
e botas de abismos
nos outros estão
todos os sentidos
a solidão não me passou
para o lado de cá
NA ESTAÇÃO
tecidos do céu
fornecem estátuas
trilhos entreolham-se
queria um trem
no lugar do coração
apesar de puro
mordo com a mesma força
que me escapam
deviam ser olhos
porém perdi
agora sou apenas paisagem
MAIS TRANSPARENTE
guardo
a solução do problema
guardo
a alegria plena
guardo
a poesia é o melhor lugar
para guardar as coisas
o silêncio é mais transparente
CÓPIAS
para evitar que isso aconteça
tire cópias de tudo o que você fizer
os gestos as falas os erros
principalmente os erros
principalmente os erros que você
nem sabe que cometeu
depois guarde tudo
bem guardado
num lugar bem fácil de esquecer
IDIOMAS
deve esquecer a poesia
a poesia é o idioma do inferno
por outro lado é o único idioma
que o demônio não aprendeu
por isso os poetas que chegam ao inferno
não são compreendidos
e são devolvidos imediatamente
a poesia no céu é codificada
por isso os poetas que chegam ao céu
não são entendidos
e também são devolvidos imediatamente
aos poetas do céu e do inferno
resta vagar por este lugar
onde também vaga o infinito
ALEGRIAS
a invasão da alegria
o que restou do corpo
descansa à sombra
do varal onde
a pele pende ressecada
terça-feira, 28 de dezembro de 2010
LITOTOMIA
o teto sem teto
o céu azul repleto de estrelas
as nuvens guardadas numa caixa sob a cama
noutra caixa os sonhos
miro o mundo com o períneo
o refluxo faz retornar as mesmas palavras
porém sujas
espero um amor sem dor
todos esperam
a ação de esperar
não é ação nem reação
esperar revela buracos
maiores que a solidão
INCLINADO
a sombra da luz sobre o lago
sobre o cardume
a luz do cardume sobre o fundo do lago
a sombra do fundo do lago
inclinando o mundo
minha boca na beira do mundo
tento saciar a minha sede
mas a minha sede
não é de luz sombra ou cardume
vai além da seiva da luz
transcende ao negrume
ao dorso escorregadio do peixe
minha sede não cabe no mundo
caberia se eu fosse água
segunda-feira, 27 de dezembro de 2010
COISA SEM NOME
todas as coisas juntas
e é necessário separá-las
cada coisa com seu nome
e das coisas sem nome
faço poesia
LONGE
talvez da sombra
talvez da agonia
nem da palavra estive perto
se eu disse e alguém escutou
se eu estive e alguém aceitou
quando eu descobrir
o segredo de ficar perto
quando eu disser
estarei deserto
MARCA DESFERIDA
ondulo-me
espalho aos cantos do lago
todos os sentimentos
no meio de tudo
guardo a marca
do ferimento
FIM IMPERMEÁVEL
o crepúsculo
pensando ser com ele
avermelhou-se
aglutinou todas as flores
para dentro
todas as dores
pra fora
impermeabilizei o fim
nada acaba
sem mim
RAPINA
do alfabeto
precisam de descanso
a poesia sabe disso
amola as garras
e desce em voo rasante
sexta-feira, 24 de dezembro de 2010
MUDA
não muda a planta
mudar a casa de lugar
não muda a planta
mudar o modo de regar
não muda a planta
mudar o modo de olhar
não muda a planta
mudar o modo de podar
não muda a planta
mudar a terra
não muda a planta
mudar a estação
não muda a planta
mudar o homem
não muda a planta
POEMA DE NATAL
que quem se mete a escrever poemas
é um maluco que se envolve
em algo que não dá lucro
apesar disso
pedem um poema de natal
dizem que o natal é poético
porém o natal dá dinheiro
é uma coisa que dá lucro
e o maluco que escreve poemas
segura essa coisa chamada natal
em suas mãos e procura poesia
vê uma ilusão
algumas pessoas lembram que
comemoram o nascimento de alguém
que tempos depois será trucidado
outras nem lembram disso
o maluco que escreve poemas
não vê nenhum lucro emocional
em escrever esse poema
como se escrever qualquer poema
desse algum lucro emocional
mas procura motivações palavras
imagens abstrações emoções
não enxerga neve ao seu redor
nem passado nem futuro
vê no presente
alguma esperança
num pacote fechado
e impossível de ser aberto
quinta-feira, 23 de dezembro de 2010
EXPLICAÇÕES
eu fluí dos mapas
disse que eram contas
as estrelas sossegadas
o poro que engoliu o abismo
é o mesmo olho que fechou o mundo
falei das coisas tangíveis
como se houvesse
e a poesia funda
como se explicar coubesse
FURO
o meu cabelo
e alcança o sonho
o tempo é maior
que o meu sonho
por isso não consegue
parti-lo ao meio
no meio do tempo
pensa realizado
por estar no centro
o tempo quer ter sonho
mas não tem tempo
GRAMA
o que consegue
sendo inerte
sob a pele o verme
sugando a areia a carne
sob a pele imberbe
barba de terra sem navalha
os pés que se assemelha
a um afago
não passa de escravos
de caminhos desmedidos
SOBRE CORTES
a poesia vem
o que difere é o corte
sem nenhum corte
na morte é menos sangue e
mais corte
abre portas
eu sei que da poesia
não há volta
quarta-feira, 22 de dezembro de 2010
BELEZA
derramando derrotas
florestas erguidas
feito álcool
feito fitas
enroladas no precipício
era fácil a leitura
a visão era escura
quem procura clareza
deve esquecer a beleza
PENSAR
pescoço preso ao mastro
tremulando
pensar meu corpo sem peso
tecido insólito
sem lastro
pensar meu corpo
sem pensamento
por um momento
não penso
PASSAGEM
as palavras que descarto
as pessoas que descarto
quando parto
minha passagem
não tem preço
também me descartam
quando não mereço
lembrar é a melhor bagagem
esquecer é a melhor viagem
terça-feira, 21 de dezembro de 2010
SOLILÓQUIO
serei simples
o sentar-se à mesa
a toalha limpa
o prato
os talheres
o copo
e a espera pela comida
que ninguém vai trazer
SONO DE FLORES
não nos tornará primavera
no máximo
um sonho colorido
quem sabe perfumado
talvez uma abelha ou um beija-flor
dignifique o nosso sono
torne algum dos nossos pedaços
mel ou fruto ou bagaço
ESCOMBROS
as botas o chão
minhas roupas
algo parecido com o universo
mas não passa de um coração
desculpe o modo como piso
desculpe o modo como penso
agora passo por um mau momento
o que me invade de assombro
quando me descubro
escravo do escombro
segunda-feira, 20 de dezembro de 2010
ESBARRÕES
eu vou por outro
nunca tivemos um encontro marcado
de vez em quando nos esbarramos
e sendo elas mais fortes
sempre acabo machucado
MASMORRA
comecei pela masmorra
nela prendi meus sonhos
junto com a maré
assim sempre tenho
o castelo em pé
MEDALHÃO
ódio também não
apodrece quem bebe os dois
demonstre seu ódio
a quem te odeia
demonstre seu amor
a quem te ama
pendure o coração no pescoço
mostre que ele é um osso
duro de morrer
mostre que ele pulsa
por impulso
não porque gosta de viver
domingo, 19 de dezembro de 2010
QUEDA D'ÁGUA
caindo sobre o corte
igual a da vida
sobre a morte
a água
não estanca o sangue
a vida
não estanca a morte
CHEIROS
para fazer poemas
PEDRA
não aconteceu nada
quando a poesia olhou
enxergou uma queda d’água
parecia de pedra aquela queda
parecia poesia a pedra
que cegou a minha alma
VISÃO PERIFÉRICA
mostra flores
de cores imprecisas
igual às cores da vida
minha visão periférica
mostra algo
parecido com a alegria
a alegria de frente
jamais consegui enxergar
ou ela já passou
ou nunca vai me encontrar
sexta-feira, 17 de dezembro de 2010
SUBLINGUAL
tomou um novo rumo
escondi o veneno sob a língua
na esperança de matar as palavras
esqueci as escritas
esqueci as pensadas
e estas que pensei
e escrevo agora
formam a onda sonora
onde a minha lágrima desamparada
é a última que faltava
pra inundar o mundo
quinta-feira, 16 de dezembro de 2010
ESFERAS
envolve o destino
de tal forma
que a bolha de sabão
desfolha-se
rompe o casulo
em direção à claridade
era de pele o frio
era de esfera o vazio
quem me dera
deu porque me perdi
O SOL SE CURVA
mostrando os ossos
agora se deita e morre
a felicidade é a angústia na sombra
FELICIDADE
seria mais frágil
quando a felicidade me atingiu
fui despedaçado
voltei os passos
pelo mesmo caminho
recolhendo cacos
e ainda não encontrei
nenhum dos meus pedaços
quarta-feira, 15 de dezembro de 2010
DECÚBITO CENTRAL
propositadamente
almofadas
paredes acolchoadas
serviria para o sono eterno
se não apodrecêssemos
decúbito central
mão da palavra na altura do peito
flores unindo um dente a outro
por este ângulo
fica difícil enxergar o meu sorriso
HOJE
e ele nem havia nascido
neste momento do parto
crescimento e morte
nem cabe um pensamento
o tempo não precisa de espaço
basta um passo
e permanece imóvel
terça-feira, 14 de dezembro de 2010
ÁRVORE NO MEIO DO RIO
porque não tem coragem
de mover-se
tirar a sombra do lugar
uma árvore é inocente
porque não vende frutos
nem flores em ramalhetes
uma árvore é inocente
porque prende o nosso olhar
quando nasce no meio do rio
não sente frio
nem falta de formigas
abre o rio ao meio
e ele a abraça do outro lado
já cicatrizado
A BANDEIRA DO POETA
para cada poeta
na qual ele
finca a sua bandeira
a bandeira do poeta
na lua tremula
e quando tem cores
não são adequadas
a bandeira do poeta
não precisa de hino
ou de guerras
o poeta ocupa o território
entre as cabeças
A ENTRADA DA NOIVA NA IGREJA
estrelas na grinalda
sapatos de diamantes
obrigam a curvatura da escadaria
o coração entre as flores
nas mãos trêmulas
portas são demolidas
pela felicidade
o corredor de perfumes coloridos
olhos sustentados por sorrisos
a música faz tudo flutuar
e pensamentos e palavras e gestos
formam uma doce névoa
a noiva desliza em direção ao altar
no final o noivo
talvez plane com asas prateadas
parece imóvel
parece longe
pintado de um amarelo artificial
e quando se aproxima
mostra os braços abertos
juntos às travas de madeira
as sete chagas se abrem
para recebê-la
COISAS DESAGRADÁVEIS
tenho feito muitas coisas
desagradáveis
escrever por exemplo
levaram os meus pulsos
deixaram o sangue
levaram o meu corpo
deixaram a morte
não posso me eximir
do espólio
se o silêncio foi degolado
o sangue vai irrigar
todos os corpos imaginários
a poesia é a causa
de todos os sangues
é fácil de carregar
não cria músculos
a poesia tem o mesmo peso
do silêncio
segunda-feira, 13 de dezembro de 2010
DICIONÁRIOS
quem ama
não se importa com o significado da palavra amor
quem ama perde dicionários
acredita que tudo tem significado
a palavra não representa o que apresenta
o sentimento significa todo o momento
quem ama enxerga o outro sem palavras
a palavra não enxerga nada
CAIXINHA
mantenho sempre aberta
nunca se sabe o que vem nos visitar
uma lua fraturada
um sangue deglutido
um amor lancinante
um pronome possessivo
a caixinha de guardar poemas
agito com a espera
sobe um cheiro
de silêncio quase morto
de pensamento antes da cabeça
EQUILÍBRIO
para sobreviver
corda bamba não consigo
cabo de aço entre prédios
impossível
outros pulos malabares
nem pensar
dou três passos
paro respiro me reequilibro
e a cabeça não acompanha
esse movimento
fica lá atrás
pensando em que poesia
eu estaria sentindo
naquele momento
sexta-feira, 10 de dezembro de 2010
SOLTO
a rua segura o mundo
eu gostaria de falar
do de dentro
das coisas minhas que desconheço
das coisas tuas
eu não me alcanço
eu não te alcanço
a árvore segura a rua
a rua segura o mundo
não sei quem me segura
BARULHOS
conforme o movimento
o barulho da vida
é escuro
o barulho da morte
é claro
o barulho da poesia
é raro
quinta-feira, 9 de dezembro de 2010
TRANSFUSÕES
o amor não tem sangue
meu coração não tem amor
as bombas latejam sem gritos
os líquidos curvos navegam
meu coração bombeia sangue
o amor me bombeia
os sentimentos gotejam meus gritos
os sonhos esquisitos criam carne
meu sangue não tem amor
o amor me transfunde para o mundo
moribundo me rejeita
VERTIGEM
comum ou raro
um poema sem vertigem
é um poema sem pele
e sem pele
só ossos e nervos
e músculos expostos
difícil também
não causar vertigem
e mesmo sem corpo
só alma
ou quase isso
quase nada
ainda resta a vertigem
e aos que planam
aos que penam
aos que não enxergam
os que não tem noção da vertigem
ainda assim fazem parte
da mesma queda
GRITO
o que não é dito
é o grito
o que se mostra
é o silêncio
atravessando a página
o olho o ouvido
no poema
do lado de fora
do infinito
mora o grito
JUNTO AO MURO
lembra uma árvore
sem raízes
sem tronco
sem copa
uma árvore sem corpo
lembra o amor caído
junto ao muro
quarta-feira, 8 de dezembro de 2010
ESCONDERIJOS
para a poesia
um verme
que se arrasta no escuro
deixa um rastro de estrelas
a dor mais bela
escurece o destino
a morte nos preenche
com o silêncio existente
entre uma palavra e outra
GOSMA
vomito pedra
lamento decepcioná-lo
se o vômito não é rosado
também é de pedra
o que escarro
o que eu cuspo
e o que falo
e que a latrina
quase branca
quase folha
nunca se encolha
terça-feira, 7 de dezembro de 2010
CRÂNIO
corta o céu do intestino
em busca dessa luz
amalgamada
nem sempre onde
os dentes se mostram
mora a alegria
sorriso não prescinde de carne
PARALAXE
sem o peso da sombra
aos que pesam
sem repouso
aos que me bifurcam
e me encontram
aos que me acendem
sem desculpas
ofereço o meu desamparo
diante da folha que curvo
diante do vulto intruso
poema que me despedaça
VAMOS SER POLITICOS
o que disse
se tivesse dito outra coisa
se você não tivesse feito
o que fez
se tivesse feito outra coisa
se você não tivesse
se envolvido
se você tivesse ficado calado
se você falasse
o que deveria ser dito
se tivesse ouvido
o que se falou
se tivesse esquecido
o que ouviu
se tivesse lembrado
de esquecer
se tivesse esquecido
de lembrar
se tivesse movido
o que estava imóvel
se tivesse deixado
tudo no lugar
se tivesse envolvido
naquilo
se não soubesse
daquilo
se você estivesse atento
se não fosse tão distraído
acredite
nada mudaria nada
tudo o que aconteceu
inevitavelmente
aconteceria
a situação ou a oposição
pesam em pratos diferentes
da mesma balança
nós somos a mesa
na qual ela repousa
ESCULTURAS
a melhor escultura do trigo é o pão
a melhor escultura da água é a seca
a melhor escultura da luz é a escuridão
a melhor escultura do amor a ausência
a melhor escultura da dor a presença
a melhor escultura da luz é o dia
a melhor escultura do silêncio a poesia
segunda-feira, 6 de dezembro de 2010
VIA CRUCIS
procuro uma cruz que me caiba
um cravo que me atravesse
algo que fixe a minha alma
no seu lugar devido
de onde nunca deveria ter saído
algum lugar entre
o esquecer de viver
e o nunca ter nascido
PARAÍSO PROVISÓRIO
gases nobres
a raiz da unha
regada pelo desejo
neste momento
a felicidade encurrala alguém
aprisiona num modo
e empalha migalhas
o escolhido pensando ser eterno
faz do inferno
um paraíso provisório
LAGO
as arestas derramaram-se pelo caminho
redondo não cabe na sala
profundo não cabe no dia
quase não cabia na poesia
quando namora
deixa o que sente
do lado de fora
CORES BRUTAS
acima do tempo o amor
e as demais cores brutas
que nunca conheci
e que procuram telas inúteis
pois mesmo sem pensá-las
posso senti-las sem tocá-las
sábado, 4 de dezembro de 2010
JUNTANDO ÁGUA
que se forma a água
nem alterando
o curso do destino
basta espremer o tempo
para verter o líquido feminino
não é só juntando palavras
que se forma um poema
nem mencionando o tempo
ou o destino
basta espremer a página
para verter o líquido infinito
sexta-feira, 3 de dezembro de 2010
REFERÊNCIAS
e os espasmos
para espantar os aviões
minha referência
são as coisas que não sinto
dissecadas e empalhadas pelo não
quinta-feira, 2 de dezembro de 2010
CASULO
e as borboletas insistem
na minha existência
elas tecem meu corpo de sonhos
projetam destinos
faz do meu caule
a ligação com o outro
nem tenho essas dores todas
e o tempo me guarda
nesse casulo de gritos
quarta-feira, 1 de dezembro de 2010
DIGITAIS DO TEMPO
derramam-se sobre a minha vontade
pirulito de açúcar mascado
cores de fugas folhagens
oitizeiro tatuado nas digitais
do tempo me perdi
de ontem não alcancei
a saudade embaça
as coisas que desejo
pegar com o tempo
esse jeito do tempo
olhar para trás
sem precisar de olhos
sem que as coisas estejam
nos lugares devidos
segunda-feira, 29 de novembro de 2010
PRISMA
recebo a luz
e espalho cores
em algum lugar fora de mim
não tenho luz
não tenho cores
a dor que a luz provoca
ao me traspassar
é a mesma
que o poema provoca
ao me calar
sexta-feira, 26 de novembro de 2010
BEIRADINHA DE SUPETÃO
moveu a minha língua
tornou de sangue as palavras
e o que parecia ser a curva
de uma idéia
necessária
quando a América do Sul
cruzou o meu cu
eu estava assoberbado
e os homens e as plantas e as cores
transbordaram
tornaram-me esse
pacífico oceano
AO MEU LADO
minha calma
a alma esbarra num muro
que pensava desabado
teu corpo ao meu lado
dor de difícil acesso
doce regresso
à primavera estagnada
quinta-feira, 25 de novembro de 2010
LIMITE
ultrapassou o limite
não cabe nesse poema
quem quiser ficar triste
abra as janelas
veja que o mundo existe
ARVORAR
juntamente com o entulho
as coisas se transportam
em contratempos
as folhas de dezembro se amassam
incluindo os frutos
misturam-se ao enxerto
desse resto do dia
além do horário permitido
não me encolheram
sobrei vomitando a raiz
da planta dos meus pés
quarta-feira, 24 de novembro de 2010
INDESTINOS
são flácidas
gastas pra quem vem
entre os asfaltos
meu intestino moderno
reduz o terno
compasso que escrevo
escravo da palavra
resisto
falo de falo por dentro
do delgado intestino
REDOR DO TRONCO
enxergo um filme
o meu tronco sem folhas
e os seus galhos retorcidos
sonha com flores
a natureza sabe
onde posso chegar
por isso me plantou aqui
sexta-feira, 19 de novembro de 2010
MODO DE OUSAR
não consta bulas
não contra gritos
não busca gulas
meu modo de usar
a palavra
consta no modo
de calar
OS MODOS DE USAR
mordo todas as luzes
e permaneço escuro
apago as dores
terça-feira, 16 de novembro de 2010
SAL
ARTÉRIA
e não alcanço o mundo
mesmo demonstrando minha artéria
toda a ilusão é inacabada
como a velha dor
que se instala
entre a narina
e a flor que me empala
NEM TODO O CORAÇÃO
não tem importância
as palavras vão sobreviver
a mão que se move
sobre a folha imóvel
mesmo que não gere palavras
o simples gesto fará algo mais
importante que o fim
sexta-feira, 5 de novembro de 2010
RATO DE PRATA
escrever agora
uma carta
ontem
vi um rato de prata
beijar bem de perto
a tarde molhada
ela se desfez em páginas
da própria alma
não há nada que me faça
desfeito
sou perfeito
terça-feira, 26 de outubro de 2010
ACIMA DO PERMITIDO
o trem
abaixo das carnes
alguém
acima do brilho
um nariz
abaixo do milho
a raiz
acima do céu
uma cor
abaixo da terra
uma dor
acima do mel
um sabor
abaixo do fel
bolor
acima do fim
a razão
abaixo do início
a paixão
FASTIO (POÉTICA)
querem palavras mastigadas
e eu nem engulo
querem palavras digerir
quero palavras de gerar
relva
lago
ordem
tudo perfeitamente
fora do lugar
POEMA DEFINITIVO
o poema definitivo
sexta-feira, 22 de outubro de 2010
POEMA DE G.VIEIRA
não desesperes
quem espera
é que não sai de onde
se espera
nada alcança
sempre cansa
não desesperes
se a corte te põe pra fora
a peso de elos
te serve em fatias
paridas da mais pura
hipocrisia
não desesperes
ainda resta uma
dívida paga com unhas
e dentes arrancados
a forceps no colapso
entre vida e poesia.
segunda-feira, 18 de outubro de 2010
GRITO EMPALHADO
não enlouqueça
a morte é longa e a vida à beça
o sonho nasce antes da vida
e ele quer que você meça
o tamanho da dor
pra entender
onde termina onde começa
não enlouqueça
a vida não se resume a uma cabeça
existe o corpo existe o morto
algo que quem sabe desconheça
o modo de olhar a vida
como de fato ela mereça
não enlouqueça
não enlouqueça
a vida é simples reconheça
alguma coisa sem sentido
antes do fim
que recomeça
não me enlouqueça
não enlouqueça
não enlouqueça
quarta-feira, 13 de outubro de 2010
ENXURRADA
tentar atravessar o frio coração
com o olhar alheio
tentar permanecer insípido
em meio ao saboroso mundo
a poesia vem com tudo
e nem é uma enxurrada
vem com tudo
e nem sabe que é um sentimento
sexta-feira, 8 de outubro de 2010
MAIS LEVE QUE O MAR
vôo além das falas
vôo além das vagas
deixo na praia
as marcas das asas
A MENINA DOS OLHOS COLORIDOS
a menina dos olhos coloridos
plantou um abismo
no meio do meu desespero
e os frutos são tão necessários
quanto um sonho
impossível de acordar
a menina dos olhos coloridos
não se parece comigo
por isso caibo em suas mãos
sou exatamente
do tamanho do seu carinho
e faço do seu caminho
o meu chão
O POETA E O CONDUTOR
qual o caminho correto a seguir
o poeta não
o poeta nunca sabe
por este motivo escreve
espera que a palavra consiga
encontrar o caminho errado
a poesia nunca encontra
o caminho certo
quando encontra
não é poesia
é algo desconhecido
nas mãos do condutor
quarta-feira, 6 de outubro de 2010
COISAS
chamadas queimam como frutos
faladas entrevam furos
as pessoas são palavras apontadas
desenham tesouros obscuros
quando quero tudo
quero água
quero o precipício e suas malas
as coisas me carregam para o centro
de tudo que arrebenta pela praia
a poesia esgarça
o que ainda tenho por dentro
terça-feira, 5 de outubro de 2010
ENLATADO
peles me defecam em latas
abrimos pouco
quando o assunto é puro
a sujeira de evitar os venenos
quase nos torna humanos
já fui pequeno
cresci quando me dividiram
em pequenas latas
submersas sob as asas
segunda-feira, 4 de outubro de 2010
DORES PRIMÁRIAS
às vezes doloridas
o sonho atola
o sol na insônia
e o dia prega pontos
em frases inaudíveis
nervos astutos apontam
a sombra necessária
poucos assumem
a perda exclusiva
da treva eu sei
a cor que liberta
o tato que habita
sexta-feira, 1 de outubro de 2010
ANTES DAS FLORES
e a amplidão do destino
desfolhou sorrisos
mesmo sendo inteiro
deixou-se levar
ao fim que não buscava
o botão da mão
abriu-se em homem
PORTAS DA LUZ
o emplasto azul ao redor
interrompido por uma luz provisória
a luz não tem portas
caminho ileso de sombras
quinta-feira, 30 de setembro de 2010
LIRA DOS CINQUENTANOS
e não me dei por satisfeito
plantei pentelhos no medo
depois depilei
plantei milhares de dedos
depois decepei
comi cinquenta humanos
e não me dão por suspeito
quando o rio cobriu
fingi que era o leito
antes de tudo começar
fingi que estava feito
comi cinquenta manos
e não me dá o sujeito
motivos para ser o predicado
motivos pra ser indelicado
com o tempo que me comeu
a fome de ter passado
quarta-feira, 29 de setembro de 2010
terça-feira, 28 de setembro de 2010
RECIFE
abortam sombras
assombradas baias do
cavalo marinho relincha
doces águas no casario
falta a cor do
rio alonga os braços
espreguiça caminhos
aponta vãos de pontes
fontes de arrecifes
arrepiados com o olhar
das coisas vendidas
sem espanto navego
entre mangues
salpicados nas redes
peixes cortam a
superfície da sede
segunda-feira, 27 de setembro de 2010
UM DIA
quarta-feira, 22 de setembro de 2010
CORAÇÃO PURO
qual um poste
tenso solitário
ilumina um lugar
que não lhe pertence
meu coração puro
mora num peito
que não merece
não para de irrigar
e nunca surge a horta
não para de bater
e nunca abrem a porta
terça-feira, 21 de setembro de 2010
VÃO
o amor acabou na minha cabeça
a cabeça não sabe onde começou
sabe que subiu dos pés à cabeça
sabe que cruzou o vão da sala
sabe que entupiu os canais da fala
sabe que deu nessas palavras
o amor abriu um vão na minha cabeça
agora tudo que sinto são palavras
segunda-feira, 20 de setembro de 2010
SINTOMAS
quando os sintomas começaram
quando eu cheguei
o mal já estava instalado
e me jogou da sala para o quarto
e eu que pensava ter vivido
nem havia passado pelo parto
e eu que pensava ter morrido
nem havia passado
ASSÉDIO
ao não
aceito o assédio
vitupério
em tua mão
envolvo a minha carne
ergo o meu caule
no teu centro
empalho meu gameta
qual um fauno
domingo, 19 de setembro de 2010
EXTERNO
fora de si
bate num lugar
onde eu não posso alcançar
inútil bisturi
na minha mão
inútil
transplante de emoção
quarta-feira, 15 de setembro de 2010
VOLTA
requer pés nem passos
requer tropeços fracassos
a paisagem no canto do olho
a lágrima no canto
da paisagem
lavo meus sonhos
enquanto estou acordado
quarta-feira, 1 de setembro de 2010
terça-feira, 31 de agosto de 2010
SETEMBRO
setembro contra agosto
ambos desabam
no abismo do tempo
por um momento
pensei ter me visto
entre a pele
dos dois
sendo mais leve
quase sem mágoa
eu me infinito por dentro
quando deságua
em mim o tempo
sexta-feira, 27 de agosto de 2010
BIFURCAÇÃO
até que me esqueça
tudo se bifurca
igual quando se ama
se a flores soubessem
o quanto são magras
seriam mais calmas
o céu onde me ponho
perdi ao chegar
quem me vê aos pedaços
sabe que sou sonhos
quinta-feira, 26 de agosto de 2010
LEITURA LABIAL
li que o mundo morreu
e desse corpo inerte
não somos nem os vermes
depois percebi a ilusão
o lábio de deus era o lábio de um cão
por tamanha maledicência
deus me condenou à existência
terça-feira, 24 de agosto de 2010
MINEIRO
são de ouro suas asas
domingo, 22 de agosto de 2010
quarta-feira, 18 de agosto de 2010
CARTA SUICIDA 2
sobraram os gestos
da minha boca
as palavras
do meu corpo
a carcaça
sobraram desculpas
em demasia
culpas
sobrou do tempo
a agonia
terça-feira, 17 de agosto de 2010
sexta-feira, 13 de agosto de 2010
INFÂNCIA
de mostrar as coisas
mostrava intenso
criança nunca sabe
que vai morrer
mesmo morrendo
terça-feira, 10 de agosto de 2010
ALIMENTO
coma devagar
divague o sumo
coma com prumo
mastigue sem morder
morda sem arder
salive calmo
alimente o rumo
faça tudo pra não engolir
tudo pra não fugir
pelo canto da boca
pelo pranto
faça tudo pra não cuspir
amor é alimento
que se fala
com a boca cheia
e quando falar
fale alto
espalhe o hálito
espalhe o lugar
onde fica o pomar
segunda-feira, 9 de agosto de 2010
PEDAÇO
mas arrancou pedaço
e do pedaço que arrancou
não saiu sangue
se saísse sangue ou doesse
seria mais fácil
um torniquete um analgésico
tudo estaria resolvido
doeu não
mas arrancou pedaço
e o pedaço que saiu
não se encontra fácil
só se recupera com o tempo
e o tempo não entende de pedaços
MANCHA
é o de uma alma se desmanchando
ela se desfaz em poema
deixa essa mancha na página
sábado, 7 de agosto de 2010
SER AMADO
todas as flores do mundo
agora nem me pertenço
tudo o que sinto
cabe num canto
é preciso um coral
de espaços
quando penso
espanto o mundo
quando falo
me convenço
desse espanto
espero que o amor
me desvende
quando eu chegar
quinta-feira, 5 de agosto de 2010
CULPA
trocar a minha pele
e embrulhasse na alma
por engano
por enquanto
é o que me cabe
só tenho a vida
como entrave
quarta-feira, 4 de agosto de 2010
MORTE ÍNTIMA
deixo a vida passar
me comovo
pouco desespero
pertenço aos cacos
pelo avesso
amordaço o mundo
e o silêncio que escorre
me expele
não me contenho
sobro em tudo
que desfaço
do infinito sou o espaço
do refletido o aço
da agonia a espera
EM BRANCO
que esperava o meu rosto
para o soco
transformei em tronco
onde brotei meus galhos
minhas flores meus frutos
agora não tenho escolha
aos socos futuros
e às palavras
ofereço minhas folhas
segunda-feira, 2 de agosto de 2010
AOS TOLOS
não sinto nada
de vez em quando
escrevo poemas
para despistar os tolos
poesia se escreve
com o pensamento
e o pensamento do tolo
direciona para o sentimento
sinto muito
acabou o estoque
de palavras
acredite
não acredite em nada
do que eu disse
não acredito
que você acredite
no que eu sinto
sinto muito
quinta-feira, 29 de julho de 2010
BEBENDO ABISMOS
desde o princípio
nada aconteceria
entre o primeiro dia e o último
a pele não muda
quando precisamos
a palavra não emudece
à nossa frente
apenas um copo
repleto de abismos
desde o início
e nada que se fale
será olvido
tudo que é preciso
será inútil
todo necessário
será sonho
desde o começo
medir os desejos
leva à culpa
espancar os medos
nunca sangra
nem adianta
vir com beijos
eu não tenho boca
para isso
quinta-feira, 22 de julho de 2010
TATEANDO NÃO VEJO O QUE ME FIZ
só faltei chorar
ceguei gritei sangrei mas não chorei
quando me arrancaram os olhos
eu estava dormindo
sonhando com paisagens apagadas
quando me arrancaram os olhos
só faltei chorar
nem vi porque dormi um pouco
além da conta
quando arrancaram os meus olhos
só faltei chorar
tudo o mais que eu tinha direito fiz
porém com tato
DA NUDEZ COMO FORMA DE DEGUSTAÇÃO
da cintura pra fora
o mundo é um caminho sem demora
nua
da cintura pra cima
poema intoxicado pela rima
nua
da cintura pra baixo
a fêmea do abismo não tem macho
nua
da cintura pra dentro
o princípio de tudo é o centro
CURATIVO
uma dor comum e logo passaria
pensei que se piorasse
qualquer analgésico resolveria
pensei que por ser suportável
eu me acostumaria
pensei que se eu disfarçasse
ninguém perceberia
pensei que fosse uma dor só minha
mas todo mundo sentia
pensei que se eu me abandonasse
a dor não me acompanharia
pensei em mudar o conceito da dor
mas mudar o conceito não a extinguiria
então a escrevi nesta página
e a dor se tornou poesia
quarta-feira, 21 de julho de 2010
NOTURNO
da poesia
não tem autorização
para funcionar
durante o dia
o pedaço que falta
da poesia
acende a noite
porém não cabe
na minha mão
apenas queima
a minha escuridão
sexta-feira, 16 de julho de 2010
ENAMORADOS
tão longe da morte
tão longe
tão longe
olhar olhamos
falar falamos
caminhar caminhamos
tão longe
da morte
tão longe
tão longe
quinta-feira, 15 de julho de 2010
VENENOS
vai sofrer
se você morrer
vai sofrer
se escolher viver
saberá o valor do veneno
se escolher morrer
saberá o sabor do veneno
seja qual for a escolha
o veneno estará presente
a felicidade consiste
em escolhas erradas
terça-feira, 13 de julho de 2010
DESMEMORIADO RETICENTE
arranha o disco
da serenidade
a infelicidade
não tem pontas
desce reta
até o ponto
eu quero as coisas curvas
mesmo as curtas
não precisam
de memória
segunda-feira, 5 de julho de 2010
nove furos
com vinte e quatro furos
cobrindo o furo maior
sou um ralo
com nove furos
cobrindo um ralo menor
a precisão da minha água
não dá em nada
não lava
não vale a vala
que cava
a precisão é turva
deságua seca
sem curva
segunda-feira, 28 de junho de 2010
BRANCO COMO ÁGUA
sem cerimônias
manequins movimentam sua imobilidade
nas vitrines
chuva reta
automóveis planos
apesar de tudo
as flores insistem em nascer
proliferam suas garras verdes
em aeroplanos
vôos sem futuro
queimam o algodão do céu
alguns vão entender este incêndio
outros vão esquecer
REFLEXO
Chora em prantos
Como enxurradas que levam corpos
Onde vai parar o meu destino
Em que tipo de poça
Vou poder me ver
FATINHA REGO BARROS
MIRAGEM
poemas incompreensíveis
talvez a água me venere
dizem que ela atravessa
qualquer fenda
mantenho-me aberto
e nunca a água chega
em meu deserto
terça-feira, 22 de junho de 2010
AMARA LUCIA
Madrigal
a borboleta corta a paisagem
sem utilizar lâmina
a paisagem ondulada
pelo vôo
empalha a borboleta na memória
segunda-feira, 14 de junho de 2010
NENHUMA CANÇÃO
parece uma angústia acordada
meu corpo
tem o tamanho da agonia
minha alma faz tempo
foi embora e nunca mais voltou
habita em algum corpo mais correto
não parece comigo
por isso a alegria
não tenho mais projetos
o silêncio é meu amigo
fala comigo com os olhos
questiona por exemplo
por que porejo
em meu esquife
enquanto me carregam
em direção ao infinito
velho novelo
desfazer o mundo
mas sou pequeno e fugaz
o mundo me desfaz
tenho outras coisas pra fazer
disfarço
e finjo desfazer
sexta-feira, 11 de junho de 2010
quinta-feira, 10 de junho de 2010
canto do silêncio necessário
formam outro retrato
quando eu fui parede
eu vivia pendurado
entre as pedras
como flores
que esperam ser regadas
pelos pensamentos sãos
sem a necessidade
de inventar palavras
de afagar navalhas
de bordar mortalhas
viagem
sempre falta uma lágrima
para preencher o lago
mesmo assim
embarco no melhor de todos
e me deixo afundar
duro
ficou duro
no escuro tento um furo
com afagos e dentes
o amor não amolece
o amor desmorona o muro
do escuro aceito
terça-feira, 8 de junho de 2010
MANEIRAS DE CALAR
mais complexa
de dizer as coisas simples
por exemplo
eu poderia dizer isso
de outra forma
mas escolhi essa
segunda-feira, 7 de junho de 2010
domingo, 6 de junho de 2010
terça-feira, 25 de maio de 2010
MINTO
não sou eu
coração na mesa
dois copos
quem te abraça
sem corpo
não sou eu
quanto sinto
coração bem passado
talheres
quem te morde
sem palavras
não sou eu
quando minto
MADRIGAL SEM FLORES
guarda um segredo no perfume
estrume explode em flores
contaminando a natureza
com cores
quinta-feira, 20 de maio de 2010
fastio
deixa bem claro que
o que você está lendo
é isso mesmo que
você está lendo
não há outra
imagem visual
além dessa
que
o que está escrito
é isso mesmo
que a poesia
decretou que
o poeta sérgio lima silva
faltou
sem exposição de motivos
sem justificativa plausível
faltou e sem ele
como todo o resto
que o cerca
sem ele nada chega
e o que chega
não advém dele e
sim de algo que foge
do seu controle
logo
a poesia também
não veio
restou algo parecido
entre o silêncio
e o engano
e o que foi lido
é algo ainda
a ser esculpido
segunda-feira, 10 de maio de 2010
quinta-feira, 6 de maio de 2010
POEMA DE MAÍRA PINHEIRO
Meu útero se foi
restou meu furor feminino.
Não tive menino
nem menina.
Nenhum homem que coubesse
em minha sina
esponsal
terá o meu sangue mensal.
em San Francisco, 1981
sexta-feira, 30 de abril de 2010
EMBLEMA
e todas as luas do mundo
guardadas no bolso
entre elas
gestos esquecidos
talvez um adeus
inúteis pedidos
talvez um fim
quarta-feira, 28 de abril de 2010
PRESENTES
como os gestos
não há nada a oferecer
que não vá murchar
perfumes
gestos
palavras
amor
tudo irá murchar
só me resta
oferecer o esperar
MEDO DE VOLTAR
de medir o ar
usando o sol
respire-se por dentro
vou colar brisas
no meu
medo imaginário
vou ter espasmos
fora do corpo
levitar a insônia
marcar com estrume
onde nunca pensarei
abraça-me
porque nunca
vou chegar
terça-feira, 27 de abril de 2010
CANTO DA CABEÇA
minha cabeça fecha
o que restou de mim
talvez escombros
nunca tive
alicerce
paredes foram erguidas
durante o sonho
os pesadelos constroem
as palavras que pronuncio
nos outros dias
minha cabeça alerta
quinta-feira, 15 de abril de 2010
EPITÁFIO
em que tentei morrer
consegui o meu intento
hoje me contento
com a morte permanente
essa é a minha vida
daqui pra frente
terça-feira, 30 de março de 2010
BARULHO DESNECESSÁRIO
no poema
mais que o poema quer ficar
no poeta
logo vem a última palavra
e antes do silencio
o poeta se cala
eterno é o poema
sem a fala
DORES
nos isenta da dor
e a lágrima
e o sangue derramado
e a ferida aberta
por toda a vida
tudo passa
como se não
estivéssemos vendo
mas tudo não passa
de outra maneira
de estar doendo
segunda-feira, 29 de março de 2010
ABRIGO
não deixa marcas
o chão se abre
para os solitários
mas a queda é rasa
os ossos nem precisam
ser recolhidos
tornam-se casa
POEMA DE FATINHA REGO BARROS
Corro o risco
De correr e não sair do lugar
Vejo ao meu redor
As paisagens desfiguradas
Mas elas não mudam de lugar
As mesmas árvores e sombras
Corro o risco
De correr e não chegar
quinta-feira, 25 de março de 2010
PÉROLAS AOS POUCOS
debalde
lançar a luz sobre a merda
não a transforma em flor
segunda-feira, 22 de março de 2010
MENSAGEIRO DO ABISMO
não sabe um abraço
não sabe um afago
não sabe um soco bem dado
um homem com pouca mão
não para um trem
não sabe o mundo que cabe
na pouca mão quem tem
quinta-feira, 18 de março de 2010
espelhos
: o olho
a paisagem elencando vidas
deste lado do poema
: o silêncio diante de palavras invisíveis
sexta-feira, 12 de março de 2010
ABATE
nem todo sangue é vivo
nem todo vivo é coágulo
um círculo de plástico
desenrola em jardim
DESPOJOS
escalar a emoção sem piscar
violar os gritos sem presença
deixar em festa os incomodados
nunca mais vou te deixar
segurando meu couro
se por acaso eu morrer
deixarei meu ócio
e o modo de segurá-lo
e aos ossos asas
ao que posso nada
quarta-feira, 10 de março de 2010
cansaço mecânico
o que estiver quebrado
vai permanecer quebrado
as ondas os amores
as coisas impensáveis
a máquina que evita a dor
em nada mais porei minhas mãos
meus motivos
minhas chaves e alavancas
e principalmente o meu tempo
deixarei que fiquem assim
amontoadas
sem funcionar
até que eu me torne
uma delas
segunda-feira, 8 de março de 2010
AR DE CONFESSIONÁRIO
bebendo culpas
dos outros
as minhas não
tiveram princípio
pediram tarde
demais o início
amo precipícios
não caio sem
certeza de nada
sexta-feira, 5 de março de 2010
OUTROS GESTOS OBSCENOS
bordou a manhã na parede
como se estivesse esmagado
traço o perfil da tarde
como quem morre
adeus e outros gestos obscenos
guardo no cantil
não sei com quem repartirei minha sede
não sei com quem partirei
solto os trincos
cuspo as portas
não importa se o passo ainda não veio
verto o caminho
a partir do que vejo
chego aonde não posso cegar
quinta-feira, 4 de março de 2010
EXTERIOR EXTIRPADO
nunca ultrapassa os limites
chega até à morte
e daí não passa
gritos esparsos
espasmos
pequenas gotas
num oceano sem água
minha dor
sente meu latejar
projeta uns sorrisos
até me extirpar
segunda-feira, 1 de março de 2010
sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010
quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010
ESBOÇO DO DELÍRIO PROVISÓRIO
empalho pensamentos na minha cabeça
rascunho corredores nos muros
viver é escuro porem a morte madrugada
gaveta repleta de gestos e a chave perdida
mordo o que a paisagem arrefece
o gosto que me engole
noite que me isole
pequeno grão entre os dedos do dia
a loucura são gritos alimentados pelo silêncio
segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010
quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010
terça-feira, 2 de fevereiro de 2010
sexta-feira, 29 de janeiro de 2010
segunda-feira, 25 de janeiro de 2010
O DESENHO
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quinta-feira, 21 de janeiro de 2010
POEMA DE DIONE BARRETO
Para Cida nogueira
poucas coisas são de valia neste mundo:
a solidão ancestral
alguma delicadíssima tristeza
este gesto contínuo de perder-se
e a tua ausência - esta
a que me traz uma saudade necessária
tudo o que sou, trago comigo
e dou-te.
este poder de consagrar o mundo
torná-lo meu
e pertencê-lo.
esta alegria de saber ser pássaro
um jeito novo de colorir palavras
e o meu olhar dentro do teu, configurado
não é muito
mas este é o meu compromisso com a felicidade.
ESPERANÇA
quem já foi soldado sabe como se abre um corpo como sabe um pescador como se abre um peixe entre as guelras alguns segundos de e...
-
minha baixa imunidade não me permite tocar as palavras esse meu silêncio pelo que me lembro antecipa meus ossos gostaria de ve...
-
a vida corre mais rápida que nós precisamos encontrar a velocidade da flor e ficar
-
a lua ao fundo antes da lua a árvore com seu vestido verde e sapatos escuros entre os cabelos da árvore a lua ao fundo ou a ...