terça-feira, 30 de setembro de 2014

POR AQUI


mesmo que não acerte na veia
o sangue vai correr
a culpa o medo o ódio
tudo é muito vascularizado
pinças travas torniquetes
peças raras
nada evitaria o fundo
mais vermelho
o sangue vai correr
sem cansar
vai correr até entupir
o sangue vai te deixar
por aqui

SOLO

desdizer do sentido
pálido segredo
envolvido entre
o grito e o modo
do escrito
percorrer arenitos
coloridos sonhos
frouxos sobre
o silêncio e o solo
percorridos

REFLETORES

lembro dos refletores
pendurados nas árvores
todas as manhãs
antes de ir para o trabalho
os refletores pendurados nas árvores
a luz provocando o dia
e eu procurava entender
o que tudo isso queria dizer
como se a luz
ou as palavras
tivessem a obrigação
de dizer alguma coisa


quinta-feira, 25 de setembro de 2014

POUCO MAIS

pouco mais que os meus pés
assim foram as palavras
atravessaram onde não deveriam atravessar
murmuraram o que não deveriam murmurar
tomaram  forma onde eu estava
tornaram-se meu lugar
as palavras não são mais eu
pouco mais que os meus pés
eu diria
se ainda estivesse aqui


quinta-feira, 18 de setembro de 2014

ANTES QUE ME CARREGUEM

sou mais belo
que a sombra
mas permaneço fraco
não temo a morte
porque tudo acaba em silêncio
o dia morre todos os dias
a noite morre antes
e a minha pele é frágil
não resiste ao sopro
à faca ao soco
sei que tudo será transportado
juntamente com o meu corpo
não sei pra que lado


terça-feira, 16 de setembro de 2014

LUZES NO JARDIM

flores fingem que brilham
quando estão sozinhas
eu fingi que brilhava
quando estava só
hoje sou uma flor
apagada num jardim


GUARDANDO CHUVAS

porque ainda não estou morto
não significa que devo participar de tudo
a tarde está carregada de entulhos
por toda parte
e nem por isso torna-se noite
a morte chove aos tubos
como a arte
e também por toda parte
e poucas pessoas enxugam
debalde o tempo se debate
nas teias de aranha do guarda-chuva
como se fosse a espuma
de uma onda numa praia


MANUAL DE SETEMBRO

o sol não sabe dizer
sua boca escura
não se enxerga daqui
cada sombra
abaixo das gotas da chuva
caminhos de artifícios
onde as flores se apresentam fechadas
podemos fazer as cores
basta comer o sentir

QUARTA RODA

meu carro tinha três rodas
a quarta era sonora
parecia espanto 
parecia clara

o som da quarta roda
levava o carro
para onde as outras três
nunca chegava


CANTO MISTURADO

colei minhas falas
na água fervente
onde o pássaro mergulha
minhas palavras seus cantos
um cheiro de algodão queimado
não sei se vejo a rima
não sei mais de que lado
esse pássaro escaldado
vai pingar seu canto misturado
às minhas falas


quarta-feira, 3 de setembro de 2014

ALGO PARA NÃO SER PUBLICADO


de uns dias para cá ou mais
não sei precisar exatamente
me vi perguntando por que permaneço
por aqui a escrever essas amenidades
ou outras palavras e frases mais duras
para que acordem para algumas coisas
que tento dizer
e para isso utilizo coisas fúteis
como as palavras ou piores
como as ideias
e não vejo como consigo formar
ou palavras ou frases
que possam trazer alguma contribuição
para o panorama geral da nossa
literatura em língua portuguesa
ou outra qualquer língua
que se proponha a traduzir essas bestialidades
nas quais procuro me infiltrar
mesmo com essa capacidade de fuga
que herdei do silêncio
por isso constantemente
recorro a ele como quem grita
muitos dias após a extração da língua
e esse grito silencioso
pudesse formar algum tipo de aglutinação no ar
parecida com alguém
que ao ser apresentado conseguisse
manter a conversa agradável
por alguns instantes
até que a agonia da inexistência desse alguém
submetesse o interlocutor a refletir
sobre o modo como levamos nossas vidas
ao atravessarmos as ruas sem tropeçar
enquanto alguns alugam as pernas
como modo de sobrevivência
ou o modo como levamos a comida à boca
sem nenhum constrangimento diante
da fome que ainda assola
em algumas partes do planeta
ou não pensassem em nada disso
e simplesmente vivessem essa vida
como parece que a maioria continua vivendo
pensando nas coisas que precisam ser feitas
a partir de amanhã e no dia seguinte
ou nas coisas que precisam ser feitas nesse momento
sem precisar pensar nos outros
ou na forma como os outros estão pensando
principalmente ao seu respeito
viver
se é que se pode chamar isso de viver
afinal é o verbo oficial instituído para isso
e o qual devo usar nesse momento
sem precisar recorrer a outras palavras ou frases ou ideias
que fujam do idioma adotado nessa parte da terra
isso tudo e algo mais que agora não me vem
isso tudo motivou a escrever isso
que escrevo nesse momento
e que provavelmente nunca será publicado


ALAMEDAS

sinto-me às vezes
como uma folha caída
de uma árvore

DEPOIS QUE MORREM

  sei para onde vão as mães depois que morrem a saudade forma um túnel e a luz que vem em sentido contrário as transformam em cinz...