QUINTOCANTODOMUNDO
SÉRGIO LIMA SILVA
sexta-feira, 27 de março de 2015
AÉREA IV
morar no alto do sonho
e queda adiada
para isso servem as asas
AÉREA III
a poesia é um ar irrespirável
inocentes os que a respiram
pensando salvar os pulmões
a mancha produzida
é imperceptível a olho nu
mas no espaço
é formado um buraco
do tamanho que faço
AÉREA II
minha cabeça atravessa o espaço
e pousa entre os escombros
planeta tal é o meu olho
meus dedos são estrelas
esse corpo que enxergam
pensando que é o meu
é o fragmento de algo que não sinto
AÉREA I
as nuvens seguram o céu
por fios quase invisíveis
não contem a ninguém
os fios são segredos
quinta-feira, 26 de março de 2015
TERRENA IV
a vida
é outro tipo de morte
digo isso com o dia
pendurado na cabeça
um sol menor que a minha boca
aquece essas palavras
melhor não olhar profundo
esconda o olho onde alguém possa ver
quem sabe com um pouco de sorte
a vida seja a morte
TERRENA III
por mais que eu tente
não consigo enxergar todo o meu território
uso binóculos
lunetas
envio mensageiros
que nunca retornam
introduzo o meu corpo
em algum sonho
ou finjo que estou dormindo
o mundo me sacode e me joga contra as suas paredes
acordo aos pedaços
e sem saber aonde caibo
TERRENA II
as frutas provocam um hiato
entre a flor e a fome
as fomes murcham
com o tempo
as flores formam uma estranha
parceria
TERRENA I
as raízes cruzam o meu crânio
e cravam a minha cabeça contra o fundo
o mundo é escuro por dentro
não sinto mais medo
quarta-feira, 25 de março de 2015
MARINHA IV
subimos o rio
à altura do mar
barcas impacientes
cravaram suas quilhas
em nuvens desmaiadas
marinheiro sabe
qual o sentido do arrepio
desfralda a pele
poreja leve
e mergulha na pedra
que sonha ser água
MARINHA III
súbito
o barco encontra o fim
mais chuva que água no córrego
MARINHA II
cavalos marinhos
pisotearam os meus sonhos
eram de sal
repletos de culpas
nunca alcançaram o chão
MARINHA I
a linha azul
do horizonte
dividiu meus olhos
a parte de cima
ficou com o azul
que eu não permaneço
a parte de dentro
escurecimento
terça-feira, 24 de março de 2015
CORAÇÃO BOM
meu coração é bom
bate numa só pessoa
e o sangue desse espancamento
fica só entre nós dois
meu coração é bom
nasceu para me desobedecer
nunca para quando peço
para quando bem entender
terça-feira, 17 de março de 2015
PORO DA BORBOLETA
o chão está muito frio
preciso ler mais poesia
vestir de graça o meu couro
pensar na possibilidade do retorno
da minha alma ao local de origem
exatamente onde as borboletas
porejam suas cores
sexta-feira, 13 de março de 2015
POEIRA
poesia não parece com papel
mas sem ele
como ela ficaria?
poesia parece com um sopro
sem a boca
o sopro que vem
não sabe de onde
enche os olhos de pó
entre os dentes o pó
forma essa poeira
que não assenta nunca
terça-feira, 10 de março de 2015
A FELICIDADE DA TARDE
a tarde simples
sentou ao lado de uma árvore
mostrou-se calma
porque era o único modo de sentar-se ao lado de uma árvore
as duas sabiam disso
o pensamento da árvore parece verde
mas é tão branco quanto o pensamento da tarde
ambas querem fugir
fingem uma felicidade
que parece caber na foto
FLOR ABERTA
abro a flor na página
nenhuma palavra angustiada
a pétala se esquece de ser cor
parece a flor inteira sem perfume
deixa no ar o que queremos ver
sem usar os olhos
quinta-feira, 5 de março de 2015
QUALQUER UM ESCREVE UM POEMA
era pra ser fácil
muito fácil
então apareceram as palavras
e deu nisso
quarta-feira, 4 de março de 2015
CARREGADO
o guarda-chuva evita
molhar os meus cabelos
mas a chuva guardada na minha cabeça
carrega de água os meus olhos
CRAVOS FRATURADOS
a tarde merecia gafanhotos
apesar de triste
dobrei a esquina em quatro partes
deixei a rua de fora
e seus sistemas de amparar pessoas
mesmo assim liguei à vista
quadrados molhados de sombras
pareciam calmos
mas penetravam atentos
como se calvos fossem
como se pusessem à mesa
cravos fraturados
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