quinta-feira, 31 de julho de 2014

TENHO TENTADO

tenho tentado não ser depressivo
mas está difícil
o sonho poderia me levar
para outro lugar
mas no sonho há peles e sangue
sem corpos sem artérias
a vida me leva
para outro lugar
onde permaneço imóvel
faço parte de algo
onde não posso entrar
aos que me tocam
permaneço quieto
revido com palavras
escutam vento água
respiram e bebem
paciente aguardo
o ruido dos corpos envenenados


ABANDONAR

abandonar as palavras
até que algum olhar as descubra
abandonar as palavras
e nunca mais encontrá-las


segunda-feira, 28 de julho de 2014

OBJETO OCULTO

estou com os dias contados
desde não sei quando
as horas funcionam
como folhas fabricadas pela desordem
mesmo rasgadas insistem ser páginas
aceno para a vida e ela me remove
usa meu coração como alavanca
estou fora de algum lugar
objeto oculto pela fala


SE ME DISSESSEM

se me dissessem
que o tempo era água
eu teria construído
uma pia sem ralo
um ralo onde coubesse
a minha cabeça
amarraria minhas pernas no teto
com apenas uma tripa
o restante alguém que usasse
como canos vazios
de uma instalação
desnecessária
se me dissessem
que o tempo era a calma
construiria uma estrada
sem saídas
e correria em linha reta
até chegar a vida


sexta-feira, 25 de julho de 2014

POÇAS

a chuva passa
a dor não chove para sempre
um dia passa
e ao passar deixará algumas poças
um dia as poças secam
algumas vão ser reabertas
com uma nova chuva
outras vão apenas
parecer cicatrizes

quinta-feira, 24 de julho de 2014

FAIXA DE PEDESTRES

as plantas sujam o asfalto
com a sua fragilidade
pombos caminham na faixa de pedestre
asas apenas lembradas no susto
pareço ser frágil
embora me mova
entre a faixa e os pombos
asas esquecidas
em algum escombro


segunda-feira, 21 de julho de 2014

MAIS DA CHUVA

gosto mais da chuva
que do medo
a água da chuva
não me apaga
o medo nem tem água
é só me olhar
que me apaga

sexta-feira, 18 de julho de 2014

ESTICANDO A PELE

a angústia aos poucos
forma o esboço
das pessoas
os gritos são os rabiscos
de uma dor suportável
porque está além do corpo
não há motivos para a alegria
alegres ou tristes
tudo será interrompido
mesmo que eu consiga
alongar a pele
o máximo possível
a vida não vai
conseguir acompanhar


terça-feira, 15 de julho de 2014

CABEÇA

os dias passam ao lado
como um motim
no sangue coagulado
a partir do corte
bem longe do corpo
tudo se escancara
como um céu
eu queria ser livre
mas penso

TREINANDO O INTESTINO

treino meu intestino
a entender o tempo
e dentro do intestino
a alma escura
pensando que é clara se procura
 em cada dobra
e quando se encontra
não se mostra
e mostra que o tempo
nunca sobra


DEPOIS MUITO DEPOIS


tropeço nos corpos
espalhados lado a lado
entre eles o sol        
e outras estrelas sem nome
queima mais meus pés
não saber para onde vou
do que não saber
porque não estou parado
meu corpo deveria
estar entre eles
ou as minhas mãos
sujas de sangue



segunda-feira, 7 de julho de 2014

NÃO TENHO

não tenho cuidado
muito de mim
me deixo exposto
antes do nervo
me vejo em setembro
antes de agosto
não tenho cuidado
atravesso o estrago
pelo meio da estrada
formo o lago
sem nem ter água
não tenho muito
cuidado com
o que mostro
parece meu corpo
exumado esse pó
enlatado
não tenho
meu bolso
costurado na veia
repleto de idéias
minha cabeça
aos pedaços
não fica
velha

quarta-feira, 2 de julho de 2014

TRILHA SONORA

às cinco e quinze
o passarinho do meu vizinho
canta na varanda
desarma o cimento e o asfalto
desarma a manhã
seu canto é igual
dentro ou fora da gaiola
compõe o poema
e sua trilha sonora


terça-feira, 1 de julho de 2014

FLORES DO CAPIM

as flores do capim
moveram meus olhos
retirei o que havia de sujo
entre o lodo e o meu sapato
suspenso entre as folhas
as asas esquecidas no armário
aqueci o momento
como se fosse uma estrela
de primeira grandeza


BORBOLETAS CAÍDAS

descobri algo mais triste que o silêncio
borboletas caídas
penduradas nas rugas da rua
suas cores misturadas ao asfalto
o voo interrompido
não sei por qual motivo
talvez a nostalgia da lagarta

TROUXE AS PALAVRAS

conforme combinado
eu trouxe as palavras
as que foram pedidas
e as que não foram pedidas
talvez no começo
não sejam entendidas
principalmente
as que não foram pedidas
talvez nem sejam entendidas
as que foram pedidas
o que posso fazer
fiz a minha parte
conforme combinado
eu trouxe as palavras


PRECISO DE UM BARCO

preciso de um barco
que navegue em minhas veias
um barco vazio e sem velas
os remédios não fazem mais efeito
preciso de um barco
que abra as minhas artérias
um barco que sempre afunde
e nunca atinja o fundo


DEPOIS QUE MORREM

  sei para onde vão as mães depois que morrem a saudade forma um túnel e a luz que vem em sentido contrário as transformam em cinz...