quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

SEM LUGAR

embora eu tenha espalhado
meus passos pelo mundo
não consegui chegar a lugar nenhum
eu não consigo sair de mim
nem sou um bom lugar para ficar
melhor sair e nunca mais voltar

segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

CORPO DESAPARECIDO


sempre que passo por essa rua
lembro da inundação
do modo como a água invadiu nossos pulmões
o peso no peito e a impossibilidade de respirar
durante a inundação não há como alcançar a tona
a tona é uma rua que entra em outra rua que entra noutra rua
o corpo arrastado aos poucos vai alterando a esperança
de ser salvo por algum dia ser encontrado
nem que seja num poema

UMA BOA MANEIRA DE UTILIZAR AS PALAVRAS

não sei demonstrar a minha tristeza
sem utilizar palavras
deve haver outro modo
mesmo quando choro ainda é pouco
não enxergam meus olhos
entre as pregas do mundo


SOL DE INVERNO

pela manhã as pessoas caminham
sobre o local onde havia um corpo
a chuva lava o sangue
essa é a única vantagem do inverno
as outras vantagens não contam
o sol não queima a melancolia
ela ferve como uma água



quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

DENTIÇÕES

troquei os dentes
pela terceira vez ou quarta
não lembro direito          
observo o meu sorriso novo no espelho
apresento os dentes novos à comida
mordo carnes quentes
escovo delicadamente
fico feliz por estar presente
em todas as vezes que troquei os dentes
quando trocar a alma
não terei a mesma sorte
não há espelhos no outro lado da morte

segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

RETORNO INESPERADO

algo deu errado
as maçãs envenenadas
retornaram intactas
dentro da mala

SEM INTERFERÊNCIA NA ROTINA

nada acontece que interfira
na minha rotina
uma bomba que explode no Japão
ou um tiro disparado na esquina
uma alteração no planeta tal
um excesso de gás na Malásia
um atropelamento na avenida
um surto de esperança
ou de outra doença
cabeças degoladas na TV
cabeças degoladas não mostradas
uma comida estragada
um cigarro e suas tragadas
um terreno baldio invadido
um terreno abandonado
um grito por um susto
um grito por um gozo
nada interfere na minha rotina
acordo para o que durmo
mastigo sonhos
cuspo pesadelos
rumino sentimentos
e o mundo nunca está ao meu lado
nunca propõe um acordo
deixa solta a minha rotina


segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

PASSEIO

levo o meu corpo para passear
ele se derrama na esquina
recolho o que foi derramado
não quero meu terreno demarcado
estou aberto às invasões
espero que me ocupem
interrompam o meu corpo
e tomem todos os espaços
divida-o entre os ausentes
e que eu fique com a melhor parte


terça-feira, 1 de dezembro de 2015

DEPOIS QUE MORREM

  sei para onde vão as mães depois que morrem a saudade forma um túnel e a luz que vem em sentido contrário as transformam em cinz...