sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

QUEDA



às vezes o chão me falta
debalde aciono uma asa
depois a outra
o vão me expulsa
mais pela tentativa
do que pela falta
ao solo me igualo
e me torno um horizonte
onde a falta do chão 
não me esconde

QUASE UM RONDÓ




penso que guardo 
um poema no bolso
mas é o contrário

domingo, 2 de dezembro de 2018

UM RIO


um rio sem água ainda é um rio
um rio sem curva não é água
na terra o rio é um risco
um risco a ser escorrido
o pensamento do rio turva a água
seu sonho são peixes pedras perdas
e pessoas que nadam
no pesadelo morrem afogadas
um rio sem leito ainda é um rio
sonâmbulo mergulha no oceano
na esperança de se salgar
mas não há salvação
perde seu curso seu nome
enlouquece o seu doce
assume outra razão


terça-feira, 27 de novembro de 2018

A SOLUÇÃO DO PROBLEMA



isso não vai se resolver assim
nem assado
simplesmente não há solução
devemos nos contentar com o problema
e não procurar resolvê-lo
nem da melhor maneira possível
nem da pior
isso me lembra
um daqueles problemas
que os matemáticos criam
e esperam que algum dia
alguém resolva
demoram anos tentando resolver
ou nem resolvem
e estamos falando de uma ciência exata
imagine a nossa
que ainda nem é uma ciência
alguns tentam
e fragmentam a vida
em determinados aspectos e a cientificam
mas a vida em si
a vida essa que está aqui em mim em nós
e ao nosso redor
essa vida nunca conseguiremos sistematizar
então sem essa
de querer resolver esse problema
mas devemos ficar contentes afinal
temos um problema
pior seria se nem isso tivéssemos
sobre o que mesmo
eu estaria falando agora?


segunda-feira, 26 de novembro de 2018

ELA SE DEIXOU FICAR NA FLOR


Para Iri

eu quase encontrei as penas
das suas asas imaginárias
eu quase recolhi seu perfume
em cada um dos meus poros
eu quase senti os seus passos
nos caminhos que criei por dentro
mas ela apenas
se deixou ficar na flor
todas as manhãs eu a rego
misturo-me à água que carrego
e mergulho


quarta-feira, 21 de novembro de 2018

DOBRO DA NUVEM


quando quero lembrar
olho para o céu
porque não alcanço
do mesmo modo que não alcanço
o que eu quero lembrar
e tudo que já foi esquecido e será
atrás do dobro da nuvem
que nunca aprendeu a chover
permanece do mesmo modo
inalcançável



segunda-feira, 19 de novembro de 2018

SABOR DA BELEZA


para Iri

se fosse permitido à beleza ter algum sabor
a língua não alcançaria
ficaria restrito à língua
o sabor da palavra que move a beleza
à língua o deslizar sobre a beleza
saber o sabor que não alcança
converter cada palavra sem esperança
do significado do sabor
à língua percorrer a superfície da beleza
sem se importar com o sabor
ser a própria palavra
ser a cor da palavra
ser a água
se misturar ao sabor
que nunca acaba


domingo, 18 de novembro de 2018

SINTO PARECER OTIMISTA


sou otimista
o sol não atinge a minha garganta
entendo as palavras quentes
mas a natureza não é a minha mágoa
mesmo sorrindo pareço triste
porque não controlo o olhar do outro
nem controlo o meu
vejo florestas nos desastres
flores onde há apenas chumbo
valas repletas de perfumes
nem me movo
e o meu caminho já está pronto
aonde ir
não uso como remédio
mas tomo todos os dias


quarta-feira, 14 de novembro de 2018

ÓRBITA


a primavera não precisa de olhos
a verde escuridão lhe basta
assim como basta o azul para o amor
se é do céu ou do mar
a inclinação lhe ensinará
o amor não olha
abisma a órbita que o circula
parece tudo e risco
desaparece para ser visto


sexta-feira, 9 de novembro de 2018

OUTRO TEMPO


para Iri

depois de ti
o tempo agora é outro
transformou-se em algo que não sei o nome
a sombra da nuvem sobre o lago
protege o peixe dessa palavra
e mesmo que não protegesse
ou mesmo que a nuvem não estivesse sobre
a palavra que não sei
seria esse outro tempo
que me lança ao teu encontro


quarta-feira, 31 de outubro de 2018

OS OSSOS DA MINHA MÃE


os ossos da minha mãe
não são mais virgens
tocados por esse poema
encontram uma poeira inesperada
a poeira da falta
brota por dentro
parece um sentimento
mas longe disso
é física
possui raízes transparentes
e um esquisito espírito
repleto de veias e luzes
espaços e cruzes
e em cada uma delas
meu corpo pregado me espera
chegar com as flores que posso sangrar
com as lágrimas que posso regar
alargar a distância do medo
até formar um novo esqueleto


sexta-feira, 19 de outubro de 2018

VENDAVAL



não importa o vento
a poeira vai baixar com o tempo
e aos poucos
tudo será passado
sobre o tempo soterrado

OUTRO CORAÇÃO


meu coração agora é outro
bombeava sangue
agora não importa
bombear esperança ultrapassa o corpo
movimenta outras formas
floresce novas entranhas
meu coração não mora mais no meu peito
não precisa de sustento
suspenso projeta a sombra
sobre o movimento
meu coração parecia amar
amar é o nome que mais se aproxima
do que ele se inventa
abraça sem se importar que nesse momento
ficará por dentro


DEPOIS QUE MORREM

  sei para onde vão as mães depois que morrem a saudade forma um túnel e a luz que vem em sentido contrário as transformam em cinz...