quarta-feira, 31 de agosto de 2011

MOVEDIÇA

antes de a poesia chegar
não havia deserto
a sede do sol infinita e sua areia
movediça as palavras
nenhum poeta consegue resgatá-las
por isso recorre às metáforas

MOVENDO PELES

por mais que eu comova a minha pele
nunca enxergarás meus ossos
por mais que eu me perca
nunca serás meu esconderijo
por mais que eu me submeta
aos meus percalços
nunca serás minha salvação
por mais que eu me engane
sem razão
por mais que eu te esgane
não preciso de ti
por mais que eu me esfole
e me pendure em teu varal
nunca serei o silêncio
que atravessa o teu quintal

MINIMALISMO

o poeta minimalista
deseja escrever o poema
usando apenas uma palavra
a idéia não acompanha
o silêncio não ajuda
o poeta minimalista
resolve tornar-se um prolixo
e quer escrever um poema
usando todas as palavras
fica só faltando uma
a idéia não ajuda
o silêncio não acompanha
o poeta descobre que o poeta
é aquele que procura
apenas uma palavra
mas a idéia é absurda
e o silêncio atrapalha

terça-feira, 30 de agosto de 2011

VENTANIAS

a ventania jorra a noite
antes do tempo
os relógios assustados
transformam-se em homens
perdidos no escuro
arrastam pelo calcanhar o futuro
temendo perder este momento

VESTIMENTA

o assoalho do caos me conhece
a minha pele veste os tijolos
meu pelo verte os passos
o resto do meu corpo
é o resto do espaço

PALAVRA NOVA

as palavras não envelhecem
as rugas do silêncio
sabem disso
guarde no seu olho
dessa palavra
a juventude

POEMA DESCABIDO

ninguém me faz falta
morto
descaberei para todos

CABIMENTO

o que me cabe
é o que cabe
na minha cabeça
o amor não cabe
na minha cabeça
o amor não me cabe

CABEÇA

na minha cabeça vazia
só cabe poesia
gostaria de pensar em coisas mais amenas
mas a minha cabeça é pequena

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

RUA VAZIA

a rua vazia cruza a tua vida
sem automóveis e pessoas
árvores secas
nenhuma flor
os cães esqueceram esse caminho
na rua vazia a solidão
mostra os seus dentes
todos eles obturados
quem cuidou desse sorriso
não tinha idéia desse estrago
no meio da tua vida
essa rua vazia
espera os teus passos
não tens como retribuir sorrisos
permaneces sério
calado

DIÁLOGOS

ninguém escuta ninguém
você não escutou isso que eu disse
não tem importância
não vou repetir
o que você entendeu
não faz a menor diferença
não sei se vou escutar
quando você responder

MELHORES FRASCOS

retiro a tampa
minha mão não alcança o fundo
o frasco colado à mesa
assim funciona o poema
uso os olhos a intemperança
mas a mão nunca alcança

BEM PESSOAL

pessoas más
fazem coisas ruins
às pessoas boas
pessoas boas
fazem coisas ruins
às pessoas más
pessoas boas
convivem com pessoas boas
pessoas más
convivem com pessoas más
de vez em quando se misturam
mas quando descobrem
pessoas más
fazem coisas ruins
às pessoas boas
pessoas boas
fazem coisas ruins
às pessoas más

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

OLHO SOBRE TELA

enquanto a lua expira o abismo
oásis subvertem a ordem dos desertos
palavras soterram quem as carregam
o silêncio é o calor do escuro

FRIGORÍFICO

o fato é que não durmo
minha participação nesse sonho é nula
escalo corpos por dentro
engancho palavra na palavra
o cume me conhece
por isso silencia
desfaz a minha pele
enquanto cria

PONTO DE ORIGEM

retorno ao
ponto de origem
disseram
meu ponto de origem
não sei
meu ponto de origem
talvez
me deita curvo
qual uma vírgula
meu ponto de origem
pode ser o final
de alguém
a origem do meu ponto
não sou eu
não me inicio aqui
parto do meio
e o meio nasce
sem ponto de origem
onde inicio
não há ponto
nem sei
se há origem
ponto

COISAS PRA SE FAZER SOZINHO

respirar é sozinho
igual nascer e morrer
respire e com sorte
o coração não te deixará sozinho
quem não tem sorte
já viu
respirar é sozinho
igual a escrever
escreva e com sorte
a palavra não te deixará sozinho
quem não tem sorte
não viu

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

OLHAR DESPETALADO

o olhar despetalado
espalha visões pela paisagem
as pétalas da lembrança
ramificam ao redor da perda
breve é o silêncio equivocado
o barulho da entranha
une a paisagem
lado a lado
e aos poucos vai formando
notícias
não há roteiro
que te encaixe na vida
olhar dependurado
inútil olhar perdido
sem esquiva

DESENCONTROS

as maçanetas interrompem
o silêncio do corredor
falam com as portas
para não serem abertas
vão os passos
os encontros forçados
os abraços necessários
perdidos noutro prédio

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

meu corpo misturado ao sofá
sendo bebido pela tarde
minha cara enorme
meu vômito inóspito
eu teria princípios
se soubesse o que é limite
mediria o sentimento se o encontrasse
não tem nome o que me faz assim
tenho fé em fim

DOSES


não vamos melhorar
nem o mundo
qualquer coisa oferecida
será apenas um paliativo
o segredo é manter-se vivo
até a próxima dose
enquanto o tempo
nos suga por osmose

terça-feira, 23 de agosto de 2011

A MELHOR PALAVRA

não sei dizer
a melhor palavra
quem souber me diga
e a melhor palavra
que a mim será dita
ainda será pior
que o silêncio que me abriga
dizer a melhor palavra
tarefa que me intriga
encontro sempre a melhor
na minha cabeça
mas não se torna melhor
quando chega à mesa
o desenho não acompanha a idéia
mostrar o desenho
desagrada à platéia
a melhor palavra
não sei dizer
então prefiro escrever

MORRER DE AMOR

só se morre de amor
uma vez
o que acontece depois
não dá pra saber
ninguém nunca voltou
pra dizer

CHÃO DE OUTONO

o chão de outono
é mais intenso
além das folhas
tormentos
desabam despidos
os troncos das árvores
em forma de gritos
não disfarçam
o formato da esquina
por onde dobra o verão
usando corpos
como lastro


segunda-feira, 22 de agosto de 2011

NOIVAS DE CONCRETO

as noivas de concreto
com seus véus enfeitam
a urbanalidade
futuramente
em seus compartimentos
guardarão a tristeza
e a felicidade
coisas que não se fabricam
com cimento

DEPOIS QUE A FORÇA ACABA

assim eles cortaram as coisas
dessa maneira sem deixar
algum modo de evitar
estávamos dormindo
nossas cabeças degoladas
continuaram sonhando
o coração continuou sentindo
alguns fugiram somente corpo
outros fingiram apenas cabeça
alguns braços fizeram força
eu consegui
escrever esse poema

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

SOBRE A BELEZA INATINGÍVEL

e as papoulas soltas
ofegantes
penduradas nas cores
não dependem
dos nossos humores
sabem o idioma
das abelhas
e o recado deixado
para as borboletas
o céu com inveja
nem se aproxima
e o máximo que
o homem consegue
é uma rima

APRENDENDO A OLHAR

não sei olhar o mundo
como deveria
olho pra baixo
não me vejo
olho para o lado
não me acho
acho que não estou olhando
para onde deveria
olho pra cima
não sou o mundo ainda

SOB A TAMPA

não movo as flores
não respiro
não me mexo
aos poucos me torno
o que pareço
sob a tampa no escuro
decomposto obscuro

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

VÁRIO

quem me procura
encontra outros
quem me esquece
encontra tudo
quem sabe de mim
desconhece
sou aquele que nasce
quando falece
quem me esconde
revela alguém
sou muitos
e ninguém

MELHOR SABER

para melhor saber o céu
as aves não se marcam

para melhor saber o mundo
permaneço mudo

na hora do abismo
melhor se mostram as palavras
durante a queda demonstram
mais poesia que sonho

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

DESTROÇOS

de repente a água que me invade
não me entende
e torna meu corpo parte
da enchente
como se eu fosse um pedaço
como se eu não entendesse de abraço
como se liquefazer as frases
desfizesse os laços
a água que me entendia
quando me invadia
tornava inútil o espaço
tornava azul o plano
onde o tolo enxerga um oceano


SEQUELAS

as seqüelas deixadas pelo ódio
lembram as da morte
a briga não serviu pra nada
a energia roubada
o sangue derramado
as cicatrizes vão ficar
paradas no mesmo lugar
igual ao túmulo que
mesmo esquecido
não evitará a
decomposição do corpo

terça-feira, 16 de agosto de 2011

FRONTEIRAS

pensei ter visto tudo
então veio a cegueira
e me encontrou no escuro
as coisas que me queiram
e os que não me viram por querer
e os que me quiseram sem me ver
terão motivos
pra construir os muros
darei meus passos intrusos
darei meu tato sem furo
iluminarei à minha maneira
até alcançar a fronteira

ANÚNCIO

chega de tolices
tudo não passa
de um jogo de palavras
a poesia é pra quem tem poesia
para quem não tem
a poesia se anuncia
sem palavras

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

NÃO SOU ROMÂNTICO

não sou romântico
por isso esse desmantelo
na pele
esse pelo solto pelo avesso
esse cheiro insosso
na palavra
por isso escrevo flores
nunca colho
não arremedo o que penso
não me aliso
não me perco
não sou romântico
esse beijo que me travo
a boca do ferro no cravo
gravando a marca
no osso
por isso o mundo
pendurado no pescoço

SEM AR

estou sem ar
mas não preciso de ar
para escrever
basta papel e caneta
e todas as outras coisas
que também não necessitam de ar
a poesia respira
sem precisar de oxigênio
utiliza outros elementos
como as palavras
e o silêncio

CONSTRUÇÃO

o tempo quer uma janela
e nos emoldurar nela
nossa cabeça dependurada
com os olhos agarrados à paisagem
a paisagem abraçada ao nosso olhar
e a vida sem sentido
vai construindo paredes
ao redor de tudo isso

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

DISFARCE

quando você partiu
partiu em mil pedaços
começou do meu dedo mindinho
até alcançar os braços
assim meu adeus não tem aceno
tem a intenção no espaço
o que sobrou do corpo
não forma um abraço
o que sobrou nem tem sangue
o que sobrou nem tem carne
o que sobrou nem tem nome
o que em mim sobrou
uso como disfarce

CHÃO OFEGANTE

ao chão ofegante
que me engole
provoco o seu
descanso
traço antes
do meu passo
gestos de barbante
amarro ao meu corpo
outro espaço
deixo alegre o laço
com as cores do chão
quando morto

EXERCÍCIO DA CASCA

derramo da varanda
sentimentos

é mais fácil demonstrar o ódio
em gás neon

escalar paredes
com pés de vento
pode provocar temporais
nos quatro cantos da boca

arroto contato com os outros
sorvendo a superfície do espelho

o azul despido do céu
é o meu alimento

olhos despetalados
enxergam melhores perfumes

à poeira do andaime
farelos de gritos misturados

libélula apagando
o desenho transparente do espaço

quimeras
falácias

cobrir a casca
da idéia
com palavras

AO AR LIVRE

as rosas de fumaça
enfeitam a estrada
eu poderia ir por dentro
prefiro me expor
a poesia que me veste
torna-me mais flor que fumaça
os meus botões estão abertos
o mundo enche a minha camisa

O RELÓGIO DO MORTO

o relógio do morto
não para
continua seu giro monótono
sem tontura aparente
tenta alcançar uma hora
em que o morto
sinta-se presente

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

CERTEZA DO MUNDO

quem tem certeza do mundo
não se perde num poema
incerto mundo me entrega
nesse poema a minha perda
perdido no poema
faço do mundo
a minha perda

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

terça-feira, 9 de agosto de 2011

A VIDA SOB A PELE

a vida agulha sob a pele
inocula a morte lenta
mente a morte que não mente
queremos prolongar a dose
até onde a pele não se toque
a morte é a vida quando mente
a morte á a vida sem a gente

REPRESENTAÇÕES

meu rosto representa
exatamente
o que não sou
digo sempre
a segunda coisa
que me vem à mente
a primeira coisa
dispenso pensar
tudo o que eu digo
ainda não é tudo
do que sobra
falta o meu empenho
apenas sopro
a saia do silêncio

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

PROPOSTA

a angústia
não te cabe
ofereço-te
a queda
mais suave
entre nós
o abismo
antes do fim
o abuso
o meu corpo
inconcluso
teu sangue
o intruso
nosso escuro
obtuso

REMEDIADO E SÓ

passarinho pousado no galho
por alguns momentos
suas asas deixam de bater
por alguns momentos
teu coração para de bater
e tu não tens descanso
teu coração sai em busca de socorro
e depois não sabe voltar
teu coração remediado e só
bate sozinho sem caminho

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

BURACO

ficou esse buraco
não sei se me jogo
não sei se tapo
só sei que é fundo
onde me acho
fiquei esse buraco

IDAS

na rodoviária
no aeroporto
no cais
as feridas que se abrem
não fecham mais

EM MOVIMENTO

as pessoas se movimentam
transferem o corpo
para outro momento
meu olho me espia
por onde me foi deixado
meu corpo segue sem mim
movimento estranho
ao meu fim

VEREDA URBANA

os arranhões dos automóveis
na sola das ruas
deixam marcas repetitivas
tudo muito monótono
a chuva
a angústia a morte
eu gostaria muito
de diminuir o volume
mas ainda não me acostumei
com o meu grito

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

VELANDO

para a morte na sala
não há remédio
costura-se uma janela na pálpebra
o xarope da lágrima é a linha
e o escuro se completa ao redor
minando água
nos passos que se encaixam

TERCEIRO EU

meu primeiro eu
nem sabia que era eu
foi ser outro
e se fodeu
desapareceu

meu segundo eu
sabia que era eu
foi ser eu
e se fodeu
aconteceu

GOTAS

ninguém está isento do ódio
nem do amor
as gotas que caem
não são do mesmo tamanho
tiro a camisa
as marcas adivinham
o meu corpo

terça-feira, 2 de agosto de 2011

O AR INTOCADO

o amor queima o ar
cinzas sonham açodadas
suspensas de alguma forma
deforma o ar intocado
pelo amor

VELHA IDEIA

alguém já teve essa idéia
mas vale a pena tentar
nem todo o fruto
nasce de flores mudas
algumas flores explicam
antes de se transmudar
algumas flores denegam
outras nem fluem
algumas sabem
que alguém já teve essa ideia
e permanecem sem brotar
outras não sabem
mas vale a pena tentar

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

SINCERAMENTE

sinceramente não sei onde vou parar com essa minha loucura de achar que sou absolutamente normal e que os outros me enxergam dessa forma sinceramente não sei que momento é esse em que me encontro com as águas e o que elas me deixam entre as espumas escondidas sinceramente não sei o que elas querem o que eles querem os outros quando me enxergam assim
sinceramente
se eu me perder
será por pouco
tempo
é o que procuro
neste momento
e por enquanto

SONHO FALSIFICADO

o sonho está
para a poesia
como o som
está para a música
por isso
a flacidez das palavras
enquanto estamos acordados
e escavamos a lucidez do dia
utilizando sonhos
e falsificamos sonhos
em cada palavra

SEM PALAVRAS

um poema sem palavras
desvaloriza a página
pulveriza a pena
mantém o sistema
um poema sem palavras
é poesia bruta
é mastigar a fruta
sem tocar a casca
quando sem palavras
o poema é escuro
é diamante puro
que se lava

AINDA NÃO É TUDO

nem pense
que isso é tudo
ainda virão
as palavras
o silêncio
talvez até um poema
e quando
tudo isso se for
e dobrar a esquina
e der as costas
e se olhar
diante do espelho
descobrirá então
que ainda
não é tudo

DEPOIS QUE MORREM

  sei para onde vão as mães depois que morrem a saudade forma um túnel e a luz que vem em sentido contrário as transformam em cinz...