Lembrei de Strindberg, ele diz,
num dos seus livros, que o Inferno é aqui onde nós estamos, e a pena eterna,
segundo ele, consiste em alcançar a felicidade, no entanto, a convivência
humana impossibilita que a felicidade não provoque a infelicidade do outro e
vice-versa. Lembrei de Strindberg porque quando falamos algo que, para nós, parece um sintoma de felicidade e que queremos mostrar ao outro, por gestos e,
principalmente, palavras, esses gestos e essas palavras são entendidos de
maneira equivocada, porque mesmo que eu esteja no mesmo terreno do idioma do
meu ouvinte, algumas palavras são mal entendidas, mal interpretadas, e a essas
palavras que o ouvinte absorve, junta-se os sentimentos que ele carrega dentro
de si, juntamente com o sangue que circula no seu corpo, e a essa mistura eu
chamaria de combustível da desavença. O outro, ouvinte que não entendeu minha
felicidade, vai demonstrar claramente o quanto ficou magoado e, por dentro, consumido
pelo combustível da desavença, vai provocar conflitos e, pior, um silêncio
alicerçado no desprezo. E por mais que se tente, posteriormente, consertar ou
explicar o que as palavras e os gestos queriam dizer, por mais que se tente, o
arranhão na relação não vai ser apagado. Aquela cicatriz vai ficar separando,
para sempre, uma relação que parecia clara, sem cortes, sem costuras, sem
remendos. Portanto, para sair desse inferno strindberguiano, só nos resta
conviver o minimamente possível com o outro. Procurar não mais a felicidade,
procurar se encontrar, da melhor maneira possível, consigo mesmo, talvez assim,
consigamos não interferir na felicidade de outrem.