um verão não dura a vida inteira
mas o terno do inverno
foi costurado com a minha pele
dizem que é mais profundo
cuspir o outono
ou mostrar seus dentes
entre as salivas
mas os dentes estão pendurados
entre as pétalas inacabadas
isso não faria nenhuma primavera sorrir
desnecessário supor que as cores
vão se entregar sem algo em troca
uma escuridão do tamanho do agora
ou uma claridade sonora
tanto traz coragens e derrotas
pouco restou de mim antes dos fatos
trapos e ossos contorcidos entre os trilhos
feitos com meus nervos e meus gritos
antes de pousar nas estações
corto o céu como um deserto
sem fazer sangue sem fazer dores
apenas amenas cicatrizes
quarta-feira, 28 de novembro de 2012
UM DIA
eu queria um dia
não é bem isso o que eu queria
eu queria um dia
no meio de um pesadelo
assim o grito de permeio
apagaria o dia
e ele seria apenas
a lembrança de
algum medo
não é bem isso o que eu queria
eu queria um dia
no meio de um pesadelo
assim o grito de permeio
apagaria o dia
e ele seria apenas
a lembrança de
algum medo
sexta-feira, 23 de novembro de 2012
RITUAIS
cumprir o ritual
de organizar palavras
até formar sentido
sob algum olhar desconhecido
saber o quanto tudo isso
é ridículo
como o ritual
de vendar os olhos
e se postar diante do espelho
de organizar palavras
até formar sentido
sob algum olhar desconhecido
saber o quanto tudo isso
é ridículo
como o ritual
de vendar os olhos
e se postar diante do espelho
quarta-feira, 21 de novembro de 2012
DROMEDÁRIO
percorreu todo o caminho
sem utilizar os pés
ou utilizar as asas
nem percebeu
os fragmentos da felicidade
espalhados pelo caminho
nem percebeu
quando tudo começou
e agora que chegou
finalmente descobriu
que não existe um fim
sem utilizar os pés
ou utilizar as asas
nem percebeu
os fragmentos da felicidade
espalhados pelo caminho
nem percebeu
quando tudo começou
e agora que chegou
finalmente descobriu
que não existe um fim
SEM SANGUE
eu pensava
que todos os meses
eram sangrentos
mais sangrentos que os meses
são os dias
e mais sangrentos que os dias
são as horas
a flor rosa
que nos roça
é puro sangue disperso
a água clara
que nos afaga
é puro sangue em verso
que todos os meses
eram sangrentos
mais sangrentos que os meses
são os dias
e mais sangrentos que os dias
são as horas
a flor rosa
que nos roça
é puro sangue disperso
a água clara
que nos afaga
é puro sangue em verso
terça-feira, 20 de novembro de 2012
O MELHOR AMIGO
assim como os cães
as palavras morrem
antes de nós
eu queria ter um cão
que não questionasse
o meu tamanho
nem a necessidade
de viver sem sonhos
eu queria um cão
para me abandonar
em algum lugar
onde não houvesse razão
para ficar
as palavras morrem
antes de nós
eu queria ter um cão
que não questionasse
o meu tamanho
nem a necessidade
de viver sem sonhos
eu queria um cão
para me abandonar
em algum lugar
onde não houvesse razão
para ficar
segunda-feira, 19 de novembro de 2012
VÃOS
a porta que se foi
e deixou esse vão
o lado de fora
não sei agora
entrar ou sair
são verbos estranhos
meu corpo se apresenta
cumpre o ritual
faz do vão
a porta principal
e deixou esse vão
o lado de fora
não sei agora
entrar ou sair
são verbos estranhos
meu corpo se apresenta
cumpre o ritual
faz do vão
a porta principal
SEM SENTIDOS
perdi os sentidos
em alguma gaveta
doce mastigar das baratas
entre os sisos meu tato
meu paladar descobre heterônimos
minha audição adiada
minha visão do mundo
apagada como uma encosta
encolhida pela chuva
em alguma gaveta
doce mastigar das baratas
entre os sisos meu tato
meu paladar descobre heterônimos
minha audição adiada
minha visão do mundo
apagada como uma encosta
encolhida pela chuva
ESTRELAS ARDENTES
o ardor das estrelas
não se pode acender
toda essa cor
explosões com caminhos
de ida e volta
quem tem aonde chegar
sabe que não existe
a melhor hora de voltar
saber que existe o lugar
essa é a melhor hora
não se pode acender
toda essa cor
explosões com caminhos
de ida e volta
quem tem aonde chegar
sabe que não existe
a melhor hora de voltar
saber que existe o lugar
essa é a melhor hora
sexta-feira, 16 de novembro de 2012
AXIOMA
descrença
pequena intervenção de deus
na existência
existo porque a palavra existe
inexisto após a palavra
uso o silêncio como um sintoma
todas as palavras que crio
serão entendidas em qualquer idioma
a palavra é um deus
que tem como oração um axioma
pequena intervenção de deus
na existência
existo porque a palavra existe
inexisto após a palavra
uso o silêncio como um sintoma
todas as palavras que crio
serão entendidas em qualquer idioma
a palavra é um deus
que tem como oração um axioma
COMO FACA
uso a folha de papel como faca
o que parece sangue são palavras
o que parece dor é o silêncio
o que parece sangue são palavras
o que parece dor é o silêncio
segunda-feira, 12 de novembro de 2012
ENTRE AS MINHAS PERNAS
observo o homem
entre as minhas pernas
melhor dizendo
observo a cabeça do homem
entre as minhas pernas
o pior é que ele nem sabe
que já é um homem
mas comporta-se como tal
com essa cabeça
entre as minhas pernas
empurrando minha carne
rasgando a minha pele
vertendo o meu sangue
esse homem que ainda
nem sabe que é um homem
esse homem que expulso
do meu ventre para o mundo
contra a sua vontade
antes da hora prevista
esse homem natimorto
entre as minhas pernas
troco suas trevas internas
por trevas eternas
o filho que parte
a minha pele
parte para outra parte
melhor que aqui dentro
MAÍRA PINHEIRO
San Francisco, 1978
entre as minhas pernas
melhor dizendo
observo a cabeça do homem
entre as minhas pernas
o pior é que ele nem sabe
que já é um homem
mas comporta-se como tal
com essa cabeça
entre as minhas pernas
empurrando minha carne
rasgando a minha pele
vertendo o meu sangue
esse homem que ainda
nem sabe que é um homem
esse homem que expulso
do meu ventre para o mundo
contra a sua vontade
antes da hora prevista
esse homem natimorto
entre as minhas pernas
troco suas trevas internas
por trevas eternas
o filho que parte
a minha pele
parte para outra parte
melhor que aqui dentro
MAÍRA PINHEIRO
San Francisco, 1978
quinta-feira, 8 de novembro de 2012
POEMA LONGO
queria alongar este poema
até onde a vista cederia
cedeu meu mundo
e tudo que nele cabia
até onde a vista cederia
cedeu meu mundo
e tudo que nele cabia
PARA NÃO ME FAZER
se fosse de pedra
eu me jogaria
em tua vidraça
sou de pássaro
passo meu canto
entre os vidros
eu me jogaria
em tua vidraça
sou de pássaro
passo meu canto
entre os vidros
HÁ MAR
brinco de azul
entre os cinzas
confundem-me com o céu
não sentem minhas ondas
devasto os cinzas
como se suspenso estivesse
espalho o meu sal
entre os cinzas
confundem-me com o céu
não sentem minhas ondas
devasto os cinzas
como se suspenso estivesse
espalho o meu sal
COTIDIÁRIO
vamos começar tudo de novo
fazer as mesmas coisas
ver as mesmas pessoas
talvez os mesmos gestos
talvez as mesmas palavras
a sola gasta do tempo
deixa os pingos das horas
quebrar o silêncio da nossa paciência
certo dia
nós vamos querer recomeçar
e não vamos conseguir
tudo ficará parado
desconheço de como seria a rotina
sem estar desse lado
se é que a morte é de fato
o outro lado
fazer as mesmas coisas
ver as mesmas pessoas
talvez os mesmos gestos
talvez as mesmas palavras
a sola gasta do tempo
deixa os pingos das horas
quebrar o silêncio da nossa paciência
certo dia
nós vamos querer recomeçar
e não vamos conseguir
tudo ficará parado
desconheço de como seria a rotina
sem estar desse lado
se é que a morte é de fato
o outro lado
quarta-feira, 7 de novembro de 2012
POEMA PARA SER QUEIMADO
vejo que chegou até aqui
parabéns
muitos chegaram aqui já mortos
outros cegos
outros surdos
e você está aqui
em frente ao poema
e espera ouvir de mim
algum sentimento
ou algum ensinamento
sinto decepcioná-lo
tolo quem espera isso
de algum poema
acredite que os mortos
ganharam mais por não chegarem até aqui
talvez os cegos talvez os surdos
também tenham ganhado mais
o que posso aconselhar
é que você abandone esse poema
agora
prometo que vou queimá-lo
talvez as chamas atinjam os seus olhos
não olhe para trás
parabéns
muitos chegaram aqui já mortos
outros cegos
outros surdos
e você está aqui
em frente ao poema
e espera ouvir de mim
algum sentimento
ou algum ensinamento
sinto decepcioná-lo
tolo quem espera isso
de algum poema
acredite que os mortos
ganharam mais por não chegarem até aqui
talvez os cegos talvez os surdos
também tenham ganhado mais
o que posso aconselhar
é que você abandone esse poema
agora
prometo que vou queimá-lo
talvez as chamas atinjam os seus olhos
não olhe para trás
terça-feira, 6 de novembro de 2012
CORRENTEZA DE PEDRA
as árvores descem
mais rápidas que o rio
suas águas verdes
mais parecem de pedra
quando eu entender
a correnteza
talvez também me entenda
as cicatrizes que absorvem
o rio que vem depois
CANTO RECOLHIDO
encolhido no canto
do pássaro recolhido
sob a sombra
um canto de vento
pendurado na nuvem
do tamanho
que a sombra permite
entre o chão e o grito
entre o não e o que digo
quinta-feira, 1 de novembro de 2012
APARELHO DA TARDE
o sol desceu
com os pés
atolados na chuva
derreteu sua sombra
sob a água
seus dedos esquecidos
dentro de
um aparelho
parecido com
a tarde
que tremeu
e quem não temeria
com os pés
atolados na chuva
derreteu sua sombra
sob a água
seus dedos esquecidos
dentro de
um aparelho
parecido com
a tarde
que tremeu
e quem não temeria
BELEZA
no começo era lindo
o caminho de flores
o chão engomado pela sombra
o cheiro tornando os poros
mais fortes que a memória
tudo muito lindo angustia
até a beleza precisa de descanso
a feiura da dor
circulando pela pele
como se o sangue exalasse
o perfume do mundo
o caminho de flores
o chão engomado pela sombra
o cheiro tornando os poros
mais fortes que a memória
tudo muito lindo angustia
até a beleza precisa de descanso
a feiura da dor
circulando pela pele
como se o sangue exalasse
o perfume do mundo
CADERNO
enriqueço meu caderno em branco
com o meu silêncio
o que eu disser
não vai tirar o peso dos meus ombros
ou retirar o peso do teu
enriqueço o meu caderno em branco
mergulhando-o nas chamas
as cinzas do silêncio
flutuam no ar como desenhos
repousam no não
formando esse poema
com o meu silêncio
o que eu disser
não vai tirar o peso dos meus ombros
ou retirar o peso do teu
enriqueço o meu caderno em branco
mergulhando-o nas chamas
as cinzas do silêncio
flutuam no ar como desenhos
repousam no não
formando esse poema
DIA DOS VIVOS
não sei onde enterrei
o meu cadáver
espero nunca mais encontrá-lo
se por acaso alguém o encontrar
finja-se de morto
não respondo pelo que
o meu cadáver possa fazer
não aconselho removê-lo
ou enterrá-lo novamente
deixe-o imóvel
talvez eu tenha sorte
e sinta cócegas
durante a autópsia
o meu cadáver
espero nunca mais encontrá-lo
se por acaso alguém o encontrar
finja-se de morto
não respondo pelo que
o meu cadáver possa fazer
não aconselho removê-lo
ou enterrá-lo novamente
deixe-o imóvel
talvez eu tenha sorte
e sinta cócegas
durante a autópsia
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FOLHAS SOLTAS
raramente grampeio as páginas deixo as folhas soltas espero o vento quem sabe palavras venham junto
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para o amor não sei quantas pessoas para a dor mais ainda não sei contar para outras coisas mas sei que são muitas
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