sexta-feira, 29 de agosto de 2014

MERIDIANOS

os bondes cortam a chuva
antes dos meridianos
por este motivo
ninguém se importa
se os cães estão sorrindo
da janela aceno para o mundo
que me deixou partir
sem passagem de volta

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

PRÓXIMO AO FIM

meu coração aos pulos
ou parado
não sei o que prefiro
temo a escuridão
claridade também
o mundo vasto
meu corpo maior que o mundo
não consigo um abraço
onde eu caiba
solto não consigo
um equilíbrio ao pensar
retiro da cabeça
recompensas
o frio sem fim




quarta-feira, 20 de agosto de 2014

FRIO DA PÁGINA

aos poucos tento
equilibrar as palavras
ao fio da página
algumas mais gordas
outras mais magras
as palavras esperam alimentos
que desconhecemos
as expomos como se algo
tivéssemos a ser exposto
os outros desconhecem
os nossos vazios
que procuramos
preencher com palavras
que aos poucos
sendo entendidas
(a maioria não)
adentrem ao nosso vazio
como se o entender do outro
nos alimentasse

NA ÓRBITA

entro no pátio
com meu andar calmo
o silêncio que carrego não pesa
não deixa a marca dos meus rastros

flutuo na mesma altura das árvores
tenho frutos mas esqueci
também tenho folhas tronco
essas coisas parecidas

o mundo me carrega no olho
como se carregasse uma lágrima
não há motivos para a alegria do mundo
me preparo para a queda


quinta-feira, 14 de agosto de 2014

QUARTEIRÃO



fui dar uma volta no quarteirão
o sol estava preso lá fora
os meus pensamentos estavam soltos
se havia flores não percebi
mas elas perceberam quando foram pisadas
gritaram perfumes
mas ninguém percebeu
o cheiro da vida não admite as flores
nem que as cores sejam perdoadas
tento prolongar o meu olhar além
a vida termina onde os meus olhos alcançam
depois disso 
talvez os cegos possam me guiar


sexta-feira, 8 de agosto de 2014

NÚMERO DE ORDEM


minha calça de linho e a camisa
um bom chapéu
bom porque me protege do sol
penso que ele não me enxerga
e ele manda recados ao escrever minha sombra
caminho
nem sei qual é o caminho
sinto-me desnecessário
meu número de ordem no mundo
perdeu-se


CASA QUASE CLARA


branca
assim se abria a casa
para os meus pés
em forma de asas
para os meus sonhos
em forma de malas
branca
quase nula
pendurada diante do que perdeu
meu corpo sem sombra
atravessa um caminho
que resolveu abandonar


MONA LISA AFOGADA


mona lisa afogada
num copo ou numa taça
repleta de somos
iguais a ela
repousados entre as estrelas
cortados aos poucos
mas aguados
mais próximos de tudo
que nos tornam rápidos


terça-feira, 5 de agosto de 2014

NÃO TENHO AMIGOS INFLUENTES NO MEIO LITERÁRIO

minha poesia não atende
a quem procura sentimentalismos
minha poesia não sobra
nem sopra apenas morde
minha poesia nem é minha
talvez de alguém que me faça pensar que sou eu
minha poesia não tem raiz
mas se sustenta dentro de algo
parecido com uma floresta
minha poesia faz concessões
às palavras
minha poesia se abre
quando tudo está fechado
e se fecha quando procuram por ela
minha poesia quer ser simples
mas não vai conseguir
minha poesia cabe numa página
até ser retirada
minha poesia agrada aos gregos
por não ser entendida
e agrada aos meus amigos
por serem hipócritas
minha poesia pode ser utilizada
como anteparo como biombo
como forma de manifestação pública
e como uma maneira de me ver de outra maneira
minha poesia tem pressa
por isso é curta
porém é longa se precisar ser breve
se precisar de neve ela inverna
se precisar de sol nem se atreve
minha poesia tem chuva
tem muita água
mas não é potável
minha poesia tem gosto
mas não é palatável
não vai ser escrita num banheiro público
nem vai ser estampada nas galerias
minha poesia tem fala
tem falo tem cu e tem cabaço
minha poesia é de alto nível
mas nunca se abaixa
minha poesia é curva
embora seja quadrada
minha poesia não tem amigos nem inimigos
não faz falta a ninguém
porém é previsível e desigual
todos sabem como vai terminar
e não vai ser agora nem nunca
minha poesia tinha cabelos
tinha um tinteiro derramando o dia inteiro
agora não tem mais
minha poesia seca arranha a página
sem fazer barulho
minha poesia me agrada
por isso vivo no escuro
de onde não quero sair de lá
nunca mais


DORMÊNCIA

as palavras itineram
entre as minhas pregas
o tempo me cobre
como um livro
respiro a dormência
de um precipício
quero esticar minhas feras
entre um dente e outro
colho sorrisos entre os trilhos
enquanto o trem atravessa


A SOMBRA DO VIADUTO

debaixo do viaduto
não dá pra ver a lua
vejo o concreto
os desenhos no concreto
veias de uma agonia
a lua desaba
antes do viaduto
seu alicerce era a minha sombra


A MORTE NUNCA ACABA

a morte nunca acaba
por mais que eu desista
a vida me guarda na calça
sua virilha entupida de voragem
meus ossos sem coragem
e esse convívio de tédio e calor
dentro dessa calça sem cor
a morte nunca acaba
por mais que eu insista
a morte não me guarda
me deixa assim exposto
como se fosse um osso
o vento espalhando a dor
por onde eu nunca passo
a morte nunca acaba
é uma dor guardada
num corpo anestesiado
para sempre




segunda-feira, 4 de agosto de 2014

SOB O CONCRETO

todo esse concreto
pode meter soco faca
pode meter bala
e não vai sair sangue
não vai cair de febre
não vai gemer nem curvar
no máximo se arranhar
arranhão de fácil reparo
quanto a mim
estou quieto sob o concreto
mais quieto que o próprio concreto
não aguento soco nem faca
não aguento bala
meu sangue corre lento
por dentro tento
parecer o sangue do concreto
um sangue que nunca escorre
que nunca morre



LEMBRAR DAS PALAVRAS

muitas palavras lembram outras
outras esquecem
nunca me lembro de falar palavras que lembrem outras
minhas palavras são sozinhas
não me lembra
não me lembram
poucas palavras me procuram
esquecem de me lembrar
porque também não lembro outra pessoa
sou sozinho como as minhas palavras
não lembro a palavra que lembre essa que escrevo
escrevo essa porque é a que consigo me lembrar no momento
assim ocorre com as palavras quando me usam
não lembro outro
para as palavras não lembro nada



sexta-feira, 1 de agosto de 2014

LADOS

tenho um lado
mais triste que o outro
e são tão solitários
que um não sabe
da existência do outro

DEPOIS QUE MORREM

  sei para onde vão as mães depois que morrem a saudade forma um túnel e a luz que vem em sentido contrário as transformam em cinz...