sexta-feira, 30 de março de 2012

MEMÓRIAS


e por falar nisso
melhor esquecer
sempre lembro
de coisas
que quero esquecer
esqueço coisas
que preciso lembrar
por falar nisso
melhor nem tocar
nesse assunto
vou terminar
lembrando de coisas
que preciso esquecer

PARA QUE SERVE O CORAÇÃO

depois que o amor acabou
descobriu que o coração
também serve pra bombear sangue
serve pra se entupir e colapsar
depois que o amor acabou
descobriu pra que serve
a caixa de lenço
na mesa do analista
depois que o amor acabou
descobriu que o amor acaba
sem deixar um lugar
pra ser preenchido
depois que o amor acabou
esqueceu como tudo começou
depois que o amor acabou
descobriu porque o poeta
não fala de amor

O FUTURO

hoje não
nem amanhã
nem depois
nem ontem
quero saber agora

quinta-feira, 29 de março de 2012

SIBÉRIA

o dia quase caindo da página
a toalha muda igual a ponte
por onde um velho barbudo sonhava
queria ser o rio
queria ser nada
nem sabia que era um homem
rasgou os braços
como se o sangue coubesse na margem
ditou os planos
voou fora da rima
aprisionou imagens
enquanto fingia descartá-las
o silêncio o temia
abria espaço para o velho calar

quarta-feira, 28 de março de 2012

RECOMEÇAR

pequenos escuros
esclarecem o retrato
pedaços de curvas deixadas
entre os cantos
parecem mostrar o fim
escolho começar


PAREDE DE VIDRO

uma parede
de vidro
que surge
de repente
diante de um tolo
assim surge
o poema
diante do meu olho
e no rosto cortado
e no quebrado vidro
sangue misturado
com o outro lado




terça-feira, 27 de março de 2012

O TAMANHO IDEAL

ainda não sou
do tamanho que desejo
tudo que cabe
deixou de ser o que é
e tornou-se esse
espaço ocupado
por outro nome

RAMALHETE DE ÁRVORES

o asfalto oferece
um ramalhete
de árvores ao
sol distante
projeta a sombra
sobre o chão
onde descansará
os pés

DENTES

onde tem mais gente
tem mais dentes
e onde tem mais dentes
nem sempre tem mais fome
nem sempre onde tem mais dentes
tem mais sorrisos
talvez mais mordidas
nem todo sorriso tem dentes
nem sempre onde tem dentes tem sorrisos
nem sempre
um amontoado de palavras é um poema
nem sempre um poema
é um amontoado de palavras

segunda-feira, 26 de março de 2012

ACIDENTE PROVISÓRIO

a vida é um acidente provisório
um acidente de incoerente prevenção
talvez por isso a poesia
seja mais convincente que a solidão

sexta-feira, 23 de março de 2012

A MELHOR SOLUÇÃO

melhor sorrir
ou chorar
a poesia
não é a melhor solução
escrevo flor e não vês
escrevo fruta e não sentes
a cor da palavra
não é sentimento
o poeta exala o impossível
e só enxergam palavras

PALAVRAS TOLAS

gasta-se mais papéis
com palavras tolas
do que tolices são gastas
eu sei a solução
de todos os problemas do mundo
mas vão considerar tolice
melhor escrever um poema

quinta-feira, 22 de março de 2012

HÁ UM POETA SOTERRADO

deixei a poesia ainda quente na planície
aos poucos foi esfriando
e formando essa montanha
o músculo é de musgo
o vento raro é feito do estrago causado
há um poeta soterrado
confundem seu pulsar com o do coração

SOBRE A INEFICÁCIA DA POESIA

o debate foi aberto
ressaltando a ineficácia da poesia
quem estava com a palavra
depois a palavra foi dada
eu não tomei a palavra
nem pedi
a poesia assistiu as palavras
sendo usadas
contra ela
permaneceu em silêncio
bela

quarta-feira, 21 de março de 2012

SOM NU


a indumentária do som é pouca
talvez a música sem a boca
talvez um canto sem a quina
talvez nem seja roupa
o nu frontal do som afia
o pelo pubiano da poesia

COMO CORTAR OS PULSOS

essa aura cheia de cor
cruzou a linha do equador
antes que em mim nascessem os braços
pensar o corte após a morte
pensar o poema como um abraço
não vai alterar o timbre
de todas as coisas que eu sinto
mesmo assim mergulho
mesmo sabendo que serei
apenas mais um entulho
boiando em direção ao local
de onde o mar foi retirado

terça-feira, 20 de março de 2012

segunda-feira, 19 de março de 2012

ORGANISMO IMPOSSÍVEL

abra a janela
e apenas olhe
pensar gasta a paisagem
respire com algum outro
organismo impossível
depois feche a janela

O BOM LEITOR

terminada a leitura
o bom leitor
repousa o livro
sobre o banco da praça
e guarda a praça na memória

sexta-feira, 16 de março de 2012

AMPULHETA

meus sonhos
desenhados num mapa
alma que se desmancha
na ampulheta
o tempo preso
ao calcanhar do nada
o espaço que não sabe
ter certeza

O VELHO

o velho encolhido
num canto do tempo
provoca frio
no contratempo

quinta-feira, 15 de março de 2012

MANHÃ


o pássaro gargareja a manhã
o mundo arrasta a lagarta pelas costas
o sol dorme de olho aberto
o poeta iludido
com o abraço profundo do poema
demarca o território com lágrimas

TROCA-SE CABEÇA

troco minha cabeça
por algo parecido
com um pensamento

troco minha cabeça
por um sentimento
assim não terei onde guardá-lo

troco minha cabeça
por qualquer pessoa
mesmo a pior
ainda será boa

troco minha cabeça
por qualquer coisa
menos por outra cabeça

troco por uma alma de osso
qualquer coisa
que inutilize o meu pescoço

troco minha cabeça
por quem pensa
ter uma cabeça

troco minha cabeça
por uma boa recompensa

DIAGNÓSTICO

o médico disse
que ainda vou ficar assim
por um bom tempo
fiquei feliz
eu pensava que tudo isso
era sofrimento

quarta-feira, 14 de março de 2012

RECONHECIMENTO DO CADÁVER

pela arcada dentária
não se reconhece um poema
nem pelas digitais
nem pelo DNA
nem pelo modo
como o corpo
do poema se comporta
acaso encontrado
o corpo de um poema morto
por certo confundiram
com um aborto

terça-feira, 13 de março de 2012

O OLHO DO POETA

buscam no olho do poeta
a felicidade
o local menos indicado

o olho do poeta é sempre cego
uma escuridão onde não cabe o tato


guia sonhos sem cabeça
desenha abismos de palavras
por onde guia quem o encaminha

ALAMEDA COM AZULEJOS

o silêncio ultrapassou o azulejo
dormiu exato entre as acácias
a fruta na sombra e o ar
convivem redondos
a rua sempre inacabada
termina na outra que começa na outra
uma cidade esquecida de se ver
escondida em algum lugar
dentro das pessoas escondidas

A PALAVRA ENGASGADA

no lugar da palavra
a poesia forma outro nome

igual a um engasgo
durante a fome


segunda-feira, 12 de março de 2012

sexta-feira, 9 de março de 2012

BRASÍLIA

Brasília
muito mais ilha que a mais ilha perdida
entre o Brás e a bastilha
na praça dos três poderes
rola minha cabeça maciça
a bandeira enrolada ao pescoço
procura um ar que a tremule

SILÊNCIO

o que sobrou não foi por acaso
acabou a fome da palavra
e esse silêncio ainda vai
perdurar por um bom tempo

SOM DA TARDE

o diálogo da luz com a janela
e o passarinho se metendo na conversa

nada que se mova
vai desligar esse barulho

frestas dificeis de domar
sombras impossíveis de apagar

e tudo que se esconde nas palavras
vai formando a tarde

a solidão fica pequena
quase parecida com um poema

quinta-feira, 8 de março de 2012

ANTES QUE SEJA TARDE

antes que te abandonem
que te cremem entre os espaços
antes que tudo seja a metade
antes que a vida te reduza a passos
pule se arremesse antes que te puxem
o chão que tens embaixo
antes que te neguem o que nem queres
antes que te congelem
antes que o mundo faça parte
cometa o impossível
antes que seja tarde

A MELHOR PÁGINA

o amor
e todas as suas imperfeições
não se encontra nessa página
e quem pensa encontrá-lo fora dela
e quem pensa encontrá-lo perfeito
e quem pensa encontrar
suas imperfeições
melhor voltar para essa página

quarta-feira, 7 de março de 2012

A CAMISA DO POETA

ninguém percebe
o poema derramado na camisa do poeta
o poema assume a cor da camisa e se perde
sente o coração do poeta mais perto
o poeta sabe que essa mancha não vai sair com água
expele suor e lágrima
esfrega palavras esfrega

VIDA

essa é a minha 
vida 
a sua vida
há um corpo que 
conduz alguém conduz
depende
a tristeza 
em frascos 
destampados
a felicidade 
vapor

terça-feira, 6 de março de 2012

TRADUÇÃO

a poesia traduziu meus olhos aos abrigos
e clareou o que me esperava escuro
e onde me pensei perdido fui esquecido
a poesia abrigou o que traduzo com os olhos
e onde me pensei escuro fui perdido
e traduzi momentos como ritos

BEIJA-FLOR NO DESERTO

um beija-flor de lodo
pousado no cabide do deserto
o lábio trêmulo da flor
o sol encostado na areia
a água vazando do sonho
como se tivesse alma
enche de migalhas um
pequeno infinito guardado
entre uma asa e outra

segunda-feira, 5 de março de 2012

HERBÁRIO

a sombra da tua pressa
ultrapassou o herbário
o melhor deserto
é aquele que irriga
sem precisar de luz
não sabes por que caminhas
nem por que as flores
utilizam o mesmo caminho
mesmo que alcances
a velocidade de todas as coisas
elas sempre virão
em sentido contrário

SINFONIA DE SAPOS

diriam uma sinfonia de sapos
vejo garfos nas costas da noite
são lágrimas a chuva

sexta-feira, 2 de março de 2012

TEMPO DEGOLADO

o tempo degolado
cruzou a minha insônia
e a sua cabeça e a minha
penduradas no céu
demãos de azul sem retoques

VERSO FRATURADO

um verso fraturado
expõe o poeta ao acaso
seu nervo sem o couro colado
lembra um pulso sangrando
mesmo sem estar cortado
um verso fraturado
não tem culpa
de atravessar mancando a página
confunde a raiz ao demonstrar o tronco

quinta-feira, 1 de março de 2012

MEU VESTIDO CLARO

espantei a todos
com o meu vestido claro
tão claro que o meu corpo o ultrapassava
e os apelos dos olhos misturados aos meus pelos
formou esse ninho no qual ponho os meus ovos
e os desenhos do vestido
ou o meu pênis
formaram essa estranha criatura
entre um poema e uma pintura

RECEBENDO ARES

meu lixeiro calmo
prefere o meu corpo como adendo
recebo os restos
do mesmo modo como privo o ar
de certos pulmões

O PASSADO

 O OP OPA OPAS OPASS OPASSA OPASSAD OPASSADO O PASSADO OPASSADO PASSADO ASSADO SSADO SADO ADO DO O