terça-feira, 26 de outubro de 2010

ACIMA DO PERMITIDO

acima dos trilhos
o trem
abaixo das carnes
alguém
acima do brilho
um nariz
abaixo do milho
a raiz
acima do céu
uma cor
abaixo da terra
uma dor
acima do mel
um sabor
abaixo do fel
bolor
acima do fim
a razão
abaixo do início
a paixão

FASTIO (POÉTICA)

querem palavras mastigadas
ofereço círculos na entranha
minha alma jogada tocando a superfície
é mais que o silêncio
querem palavras mastigadas
e eu nem engulo
querem palavras digerir
quero palavras de gerar
relva
lago
ordem
tudo perfeitamente
fora do lugar

POEMA DEFINITIVO

gostaria de participar a todos
o poema definitivo
derrama-se agora com o meu silêncio
esgota os esgotos
gota a gota o movimento
o poema definitivo
parte de mim
para sempre
para nunca vais

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

POEMA DE G.VIEIRA

PESAR DE ELOS

não desesperes
quem espera
é que não sai de onde
se espera
nada alcança
sempre cansa
não desesperes
se a corte te põe pra fora
a peso de elos
te serve em fatias
paridas da mais pura
hipocrisia
não desesperes
ainda resta uma
dívida paga com unhas
e dentes arrancados
a forceps no colapso
entre vida e poesia.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

GRITO EMPALHADO

não enlouqueça
não enlouqueça
a morte é longa e a vida à beça
o sonho nasce antes da vida
e ele quer que você meça
o tamanho da dor
pra entender
onde termina onde começa
não enlouqueça
a vida não se resume a uma cabeça
existe o corpo existe o morto
algo que quem sabe desconheça
o modo de olhar a vida
como de fato ela mereça
não enlouqueça
não enlouqueça
a vida é simples reconheça
alguma coisa sem sentido
antes do fim
que recomeça
não me enlouqueça
não enlouqueça
não enlouqueça

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

ENXURRADA

tentar permanecer alegre
tentar atravessar o frio coração
com o olhar alheio
tentar permanecer insípido
em meio ao saboroso mundo
a poesia vem com tudo
e nem é uma enxurrada
vem com tudo
e nem sabe que é um sentimento

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

MAIS LEVE QUE O MAR

mais leve que o mar
vôo além das falas
vôo além das vagas
deixo na praia
as marcas das asas

A MENINA DOS OLHOS COLORIDOS

para Fatinha

a menina dos olhos coloridos
plantou um abismo
no meio do meu desespero
e os frutos são tão necessários
quanto um sonho
impossível de acordar

a menina dos olhos coloridos
não se parece comigo
por isso caibo em suas mãos
sou exatamente
do tamanho do seu carinho
e faço do seu caminho
o meu chão

O POETA E O CONDUTOR

o condutor sabe
qual o caminho correto a seguir
o poeta não
o poeta nunca sabe
por este motivo escreve
espera que a palavra consiga
encontrar o caminho errado
a poesia nunca encontra
o caminho certo
quando encontra
não é poesia
é algo desconhecido
nas mãos do condutor

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

COISAS

as coisas independem das palavras
chamadas queimam como frutos
faladas entrevam furos
as pessoas são palavras apontadas
desenham tesouros obscuros
quando quero tudo
quero água
quero o precipício e suas malas
as coisas me carregam para o centro
de tudo que arrebenta pela praia
a poesia esgarça
o que ainda tenho por dentro

terça-feira, 5 de outubro de 2010

ENLATADO

quase não sinto nada
peles me defecam em latas
abrimos pouco
quando o assunto é puro
a sujeira de evitar os venenos
quase nos torna humanos
já fui pequeno
cresci quando me dividiram
em pequenas latas
submersas sob as asas

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

DORES PRIMÁRIAS

às vezes coloridas
às vezes doloridas
o sonho atola
o sol na insônia
e o dia prega pontos
em frases inaudíveis
nervos astutos apontam
a sombra necessária
poucos assumem
a perda exclusiva
da treva eu sei
a cor que liberta
o tato que habita

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

ANTES DAS FLORES

a rosa na mão
e a amplidão do destino
desfolhou sorrisos
mesmo sendo inteiro
deixou-se levar
ao fim que não buscava
o botão da mão
abriu-se em homem

DADOS

os números jogados
fora dos dados
somam o meu fim

PORTAS DA LUZ

a nuvem exala a tua ausência
o emplasto azul ao redor
interrompido por uma luz provisória
a luz não tem portas
caminho ileso de sombras

DEPOIS QUE MORREM

  sei para onde vão as mães depois que morrem a saudade forma um túnel e a luz que vem em sentido contrário as transformam em cinz...