quinta-feira, 31 de março de 2011

QUERER

lago quebra a cara
no espelho d’água

palafitas sem lastro
flutuam sob o muro

derramar pessoas
sobre os motivos
não vai abrir as celas

quem quiser sentir
procure a veia

POSSE

exagerei no princípio
sempre tenho um agora
ter requer fechaduras
mãos fugidias
cadáver imortal
intestino começando do fim

PAI

nada que eu disser
ouvirão frutos
árvores planejam quintais
eu perco os ritos
cantar exila o que fiz
zerar a porta
melhora a madrugada
reacende o solo
regar a enxada

segunda-feira, 28 de março de 2011

ESTRANGEIRO

quanto te xingarem
de estrangeiro
lembre que você
foi o primeiro
quando tudo
parecer estranho
recorte o sorriso
e cole no sonho
não cole com água
guarde para
dissolver a lágrima
não cole com cuspe
guarde para
molhar a palavra
não cole com amálgama
guarde para
lacrar a mágoa
não gesticule
não aprenda
outro idioma
por mais que
tente sempre
parecer com você
nunca vão te entender

REFLEXOS

o tempo torna o espelho
um objeto obsoleto
permaneço no meu rosto
as coisas que o fizeram
parecido comigo

sexta-feira, 25 de março de 2011

EFÊMERO

o sexo é efêmero
nenhuma coxa
é pilar de sentimento
nenhuma penugem
grande nem uns pequenos
lábios
o que se molha
antes do banho
é o que se prova
o que se cava
antes do túnel
é o que se move
o sexo é fêmeo
nenhuma glande
salpica o que provoca
vulva não é mata
clitóris é um mar
sem fora

POEMA MARCIANO

há marte
e outros planetas
amar-te
e outros gametas
há morte
e há quem cometa
há quem parte
e não pareça
há quem fique
e não mereça

SEVERO AMOR

do severo amor
ao muro
um corpo escuro
venera à vera
a alma que lhe carrega
a sombra sob
seu eterno alicerce
espelha-se
quando anoitece
permanece inquieto
sob a pele

VELÓRIO

não preciso de nada
o amor me ensinou a morrer
parado diante do silêncio
esse o meu renascimento
se fujo antes do mundo
onde me enterro me entendo

COPO VAZIO

agora não tem jeito
o que era pra
guardar no peito
desfolhado
as pétalas cruzaram
o mundo
nas asas da parede
nem toda água
é pra toda sede

quinta-feira, 24 de março de 2011

ANTES QUE DEUS APRENDA A PENSAR

couro de lata não dorme
couro dilata e cobre
o tambor do mundo
soa a dor
soa a tristeza
não espere alegria
de um couro esticado
não espere delícias
espalhadas pelo jardim
não espere um jardim lhe esperando
antes que deus aprenda a pensar
é preciso criar um escuro
de acordo com a sua luz
criar um grito
de acordo com a sua voz
criar um homem
de acordo com o seu deus
criar um poema que impeça
deus aprender a pensar

CAUSAS SUSPENSAS

as causas suspensas
o astronauta e seu escafandro
flutuam num oceano sem água
enxerga em mim
seu peixe imaginário
respondo do meu
aquário sem fundo
do amor como pisar
pela primeira vez
no mundo

GOTA A GOTA

ainda respira por si próprio?
ainda
ainda pensa?
quem sabe?
falar?
nem
melhor
assim não geme
assim não grita
e força pra isso tem?
se ainda respira
é o ar doente
se ainda pensa
nem pensa pelo lado de fora
melhor que falasse
melhor que gritasse
assim trocariam o tubo de soro
breve
a gota de ar
interromperá o silêncio
da vida
que resta

quarta-feira, 23 de março de 2011

BRINCADEIRINHA

duas crianças
construíram uma pedra
dizem que as crianças não sabem
a pedra também não sabe
e se fez

A PRIMAVERA DOBRADA

falando sozinho
o lábio da flor
o perfume das palavras
o espinho das idéias
a primavera dobrada na gaveta
o mundo sabe a minha voz
poreja gritos feito pólen
nas asas do passarinho

POEMA SEM TEMPO

meu tempo
para a poesia
é escasso
a poesia
para o meu tempo
é escassa
em carne viva
a palavra espremida
a quase palavra
estendida
entre o silêncio
e o outro

PONTO

no parto
sozinho
na porta na ponte no ponto
sozinho sozinho sozinho
não parto
não importa
não aponto
ponto

terça-feira, 22 de março de 2011

FACA

não adianta partir
por mais que parta
por menor que seja
o fragmento
o que deixou pra trás
sempre será
inteiro o sabor
de sentir
tudo pela
metade

OLHARES

então é essa
a palavra
e não há outra
que caiba
pensar o poeta
como um ser
que enxerga
como se o poeta
usasse os contornos
da palavra
pra deixar os olhos

segunda-feira, 21 de março de 2011

JANELAS POR DENTRO

sempre penso janelas
por dentro
a mim me interessa
mais a paisagem
do que as pessoas
numa flor
há mais humanidade
do que num padre
a água que rega a horta
carrega mais sangue
que a aorta
a água suja que me dessedenta
é mais santa
que a água benta

CHEGADAS E PARTIDAS

parir
é se partir em duas
vidas
partir
é se parir em duas
mortes

sexta-feira, 18 de março de 2011

DOBRA DO DIA

o tempo
aproveita a dobra do dia
e se esconde
o homem aproveita
o silêncio
e se expande
comovido
cometo o arbítrio
de existir sem presença
o mundo é o lugar
onde o meu corpo
poderia ficar
prefiro me estender nesta página
pulsar no ritmo do olhar
do outro

ATÉ O FIM

não tenho
tendências ao fim
tudo que acaba
não passa por mim
em principio
começo no meio
o fim não diz
ao que veio
em principio
não tenho princípios
meu fim
é apenas o começo

ESPERANÇA

meu corpo me esqueceu
mas a cabeça nunca esquece
imagina outro corpo
onde minha cabeça me esqueça
a lembrança alimenta a esperança
minha maneira de ficar paralitico
o que parece um grito
é apenas o meu corpo
alargando o mundo

FLORESTA

pouca coisa
a floresta atinge
mesmo verde
sendo o seu medo
é de outra cor
que eu estou pesando
é de outra cor
que eu estou falhando
pouca coisa
atinge a floresta
flora a cor
que lhe basta
pouca coisa
deixa a floresta calma

quinta-feira, 17 de março de 2011

FRETE

a nuvem carrega a paisagem
nas costas
seu peso deixa marcas
de chuva na tarde
interrompe o dia
que parecia
água
água água
aguinha
parece toda do mundo
e é só minha
guardo os oceanos
nos meus olhos
e tudo o que vejo
tudo o que penso
costuro em tua superfície
navios navegantes
imaginados
nunca dantes

quarta-feira, 16 de março de 2011

RIO DE SOMBRA

a faixa de pedestre rachada
por onde escorre
minha sombra
assombra o sol
que se esconde
em minha fala
falha do meu passo
na noite improvisada
transporta os transeuntes
para a casa
onde mora a clara
presença do dia
sem escaras

ENVELHECER DE AMOR

fiz envelhecer
um amor
que parecia claro
fiz envelhecer
sem parecer
fugi das rugas
escapulários
parecia claro
o que era vário
fiz me envelhecer
quando o amor
me parecia claro
fiz me envelhecer
sem padecer
fugi das regras
fundei aquários
parecia claro
o que era ovário
onde eu boiava
pensando que era fruto
pensando que era perto
eu era apenas feto

terça-feira, 15 de março de 2011

MORTE 2

janela não foi feita
pra mentir

JUVENTUDE

as letras mais bonitas
não usam
vestido de chita
antes do vento
se por
antes do verde
ficar
o medo
vai se afogar
no cabelo

IMPORTÂNCIA

à boca
importa a bala
à bela
importa o berro
abala o pó
aterro
apelo seco
naco

ENCONTRO

ela me esperou
atrás da aorta
deixou o sangue
trancado no armário
a chave pendurada
no dorso do orvalho
trancou as portas
em cada dente
dez centímetros cúbicos
de gás sem poro

sexta-feira, 11 de março de 2011

COLÍRIO

uso a lágrima
para lavar o olho
o choro não vai
limpar o mundo
nem regar a felicidade
rego o olho
com a lágrima
cultivo a paisagem
na qual me lanço
serei o fruto esquecido
depois que tudo
for escrito

OLHANDO FOTOS

quando eu era criança
as curvas do meu corpo
desenhavam graças
hoje as minhas curvas despedaçam
com a ajuda do tempo
quando eu era criança
motivo do choro
era um mistério
hoje todo mundo
sabe porque choro
quando eu era criança
a morte não sabia
onde eu morava
hoje ela mora
em minha casa

POESIA

ela cabia
aqui dentro
entre uma
palavra e outra
agora o
silêncio
tomou o
seu lugar

quinta-feira, 10 de março de 2011

FALANDO SOZINHO

a poesia me deixou
falando sozinho
por este motivo falo alto
e por mais alto
que seja o meu grito
não alcanço
a altura do asfalto
a poesia me deixou
falando sozinho
por este motivo me pego
conversando com dejetos
e por mais que desenhem
seus paralíticos gestos
não passam de
entranhos abjetos
a poesia me deixou
falando sozinho
por este motivo
às vezes me confundem
com um louco
me diferencio
por saber
que o mundo é pouco

quinta-feira, 3 de março de 2011

CARNAVAL

tudo é fantasia
inclusive a alegria

AS COISAS DESARRUMADAS

a poesia existe para desarrumar tudo
disseram isso quando eu era mudo
depois disso comecei a falar
e tudo que é pétala virou página
e tudo que era pau virou planta
e tudo que era céu virou garganta
e o que parecia infinito pareceu me engolir
e o que parecia bonito pareceu existir
e nunca mais minha fala
deixou as coisas arrumadas

QUASE UMA FLOR

poesia não é coisa
que demore a abrir
quase não tem botão
enquanto pensamos
já está na nossa mão
da raiz ao cume
a inevitável rima
do estrume ao perfume
quase parecida com uma flor
onde a cor
é substituída pela dor

quarta-feira, 2 de março de 2011

COSTUREIRO

a vida é perfeita
porque falta um pedaço
remendar a vida
é o melhor que faço
remendo por dentro
abrindo novos espaços

CÓDIGO DE BARRAS

o dna
é o meu código de barras
valho o que produzo
peso o que consumo
sirvo para o mundo
enquanto houver sumo

MAREADO

quando o mundo partiu
perdi a minha vaga
ficaram as vagas na praia

terça-feira, 1 de março de 2011

VISTA DO PORTO

o amor não engorda
o peso que carrega
é o medo que o transporta
o navio ancorado
no cais do olho
impõe sua quilha
qual virilha
furando o casco do amor
uma lágrima
cria outro oceano
onde se lança o amor

POEMA GESTICULADO

as dores guardadas no corpo
brotarão como flores
fora do tempo
nos jardins da pele
na testa
os dedos longos
alcançam o fundo do sonho
mas não consegue entendê-lo
os dedos sujos de sonho
espalham manchas de medo
as mãos não sabem que falam
e o punho cerrado amordaça
a palavra que abolirá o gesto

DEPOIS QUE MORREM

  sei para onde vão as mães depois que morrem a saudade forma um túnel e a luz que vem em sentido contrário as transformam em cinz...