quarta-feira, 14 de outubro de 2020

PARA CURTIR MINHA ANGÚSTIA

 

ninguém curte a minha angústia publicada

curtem minhas piadas

meus desenhos precipitados

alguns poemas equivocados

no entanto minha angústia

a que publico de maneira mais clara

mais evidente mais pura

não se segura numa página

escorre sob a força do olhar e se deposita

sobre a anterior que repousa sobre a anterior

que repousa sobre a anterior

sobre a anterior que se acumula

sobre o tempo que com a sua gula

a mastiga lentamente uma letra para cada dente

da sua boca infinita

e ao seu hálito misturo a minha existência

finjo que sou suas palavras

quando ainda estão sendo pensadas

mas que nunca serão ditas

 

domingo, 4 de outubro de 2020

BOM DE CONTAS

 

nunca fui bom de contas

meu colar de contas sempre foi de pedras ou de perdas

da minha cabeça só enxergava o osso

nem cabia em meu pescoço

pendurado na ponta da janela

esperava um aceno borrado de veneno

ou de qualquer outra forma de despedida

que me levasse dessa vida

para dentro do mundo

onde num segundo compreendesse o tempo

mas eu nunca fui bom de contas

uso os dedos para somar meus medos

porque as perdas não são multiplicadas

diminuem juntamente com as cartilagens adquiridas

entre uma e outra ferida

nunca fui bom de contas

tudo sempre dividi ao meio

entre o que ainda vem e o que já veio

porque o agora nunca está na hora

o presente está sempre em fuga

deixando o rastro no meu corpo nessas rugas

 

DEPOIS QUE MORREM

  sei para onde vão as mães depois que morrem a saudade forma um túnel e a luz que vem em sentido contrário as transformam em cinz...