quinta-feira, 30 de setembro de 2010

LIRA DOS CINQUENTANOS

comi cinquenta anos
e não me dei por satisfeito
plantei pentelhos no medo
depois depilei
plantei milhares de dedos
depois decepei
comi cinquenta humanos
e não me dão por suspeito
quando o rio cobriu
fingi que era o leito
antes de tudo começar
fingi que estava feito
comi cinquenta manos
e não me dá o sujeito
motivos para ser o predicado
motivos pra ser indelicado
com o tempo que me comeu
a fome de ter passado

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

terça-feira, 28 de setembro de 2010

RECIFE

as luzes no cais
abortam sombras
assombradas baias do
cavalo marinho relincha
doces águas no casario
falta a cor do
rio alonga os braços
espreguiça caminhos
aponta vãos de pontes
fontes de arrecifes
arrepiados com o olhar
das coisas vendidas
sem espanto navego
entre mangues
salpicados nas redes
peixes cortam a
superfície da sede

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

UM DIA

o sol pela metade
o vento completo
na outra metade do sol

pessoas descoloridas
atravessam pontes coloridas
até este lado

o tempo amortece toda queda
até quem não tem pele
se afaga

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

CORAÇÃO PURO

meu coração é puro
qual um poste
tenso solitário
ilumina um lugar
que não lhe pertence

meu coração puro
mora num peito
que não merece
não para de irrigar
e nunca surge a horta
não para de bater
e nunca abrem a porta

terça-feira, 21 de setembro de 2010

VÃO

o amor acabou na minha cabeça 

a cabeça não sabe onde começou 

 sabe que subiu dos pés à cabeça 

sabe que cruzou o vão da sala 

sabe que entupiu os canais da fala 

sabe que deu nessas palavras 

o amor abriu um vão na minha cabeça 

agora tudo que sinto são palavras

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

SINTOMAS

eu não havia chegado
quando os sintomas começaram
quando eu cheguei
o mal já estava instalado
e me jogou da sala para o quarto
e eu que pensava ter vivido
nem havia passado pelo parto
e eu que pensava ter morrido
nem havia passado

ASSÉDIO

não digo não
ao não
aceito o assédio
vitupério
em tua mão
envolvo a minha carne
ergo o meu caule
no teu centro
empalho meu gameta
qual um fauno

domingo, 19 de setembro de 2010

EXTERNO

meu coração
fora de si
bate num lugar
onde eu não posso alcançar
inútil bisturi
na minha mão
inútil
transplante de emoção

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

VOLTA

o retorno não
requer pés nem passos
requer tropeços fracassos
a paisagem no canto do olho
a lágrima no canto
da paisagem
lavo meus sonhos
enquanto estou acordado

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

LEITO

bebemos o rio
sem engolir o leito
despetalamos
e morremos flor
se somos
não sabemos
quando somos
sentimos
e o sentimento não nos cabe
a poesia acaba
e nunca sabe

ARDÊNCIAS

o outro
que me olha
sem os olhos
sem tato
sabe que não sou
faço
arder por dentro
pelos lados
só me resta o amor
que cabe em mim
sem arder

DEPOIS QUE MORREM

  sei para onde vão as mães depois que morrem a saudade forma um túnel e a luz que vem em sentido contrário as transformam em cinz...