quarta-feira, 29 de abril de 2015

DE MANHÃ NO RIO DE JANEIRO

meus cabelos espalham o vento
entre o mar e a praça xv
muitos olhares alcançam a minha pele antes do sol
procuro parecer muitos onde só cabe algum
as sombras dos meus passos descansam reticentes
mesmo desamparados
a ponte é longa e triste
mas une pessoas
encho os bolsos do que não cabe no meu peito


TREINANDO PRA MORRER EM SÃO PAULO

a primeira vez que cai do andaime
deu tempo de acionar as asas
pousei lentamente na calçada
a primeira vez que passei fome
a barriga estava aberta
e um passarinho pousou entre a fresta
a primeira vez que morri de frio
eu morava fora do corpo
usei o sangue pra acender o fogo
a primeira vez que fui atropelado
meus ossos estavam desmontados
ergui uma parede sem compasso
a primeira vez que fui discriminado
nem percebi que era comigo
plantei flores ao redor do umbigo


terça-feira, 28 de abril de 2015

LUGAR QUE NUNCA ENVELHECE

mesmo o tempo
possui uma nuvem
que não envelhece
o lugar do meu corpo
que não envelhece
parece o mais debilitado
parece apenas
esse lugar que mantenho ao meu lado
repleto de um silêncio
alagado por palavras
esse lugar que nunca envelhece
vai pronunciar minha morte
como se soubesse falar
esse lugar que nunca vai aprender a apodrecer
vai continuar crescendo
para todos os lados

segunda-feira, 27 de abril de 2015

PRONÚNCIAS

durante a rua
postes pronunciam escuridão
durante o mundo
ninguém pronuncia o que ele merece
durante a vida
pronunciamos sempre a palavra errada
o que eu disser aqui
não vai mudar o mundo
não vai mudar a vida
nem vai mudar a rua
o que eu disse aqui
apenas vai mudar o vazio de uma página para outra

UMA POESIA PIOR

que a poesia não serve pra nada
todos já sabemos
mas existe uma poesia bem pior
aquela que insiste em não
se transformar em palavras
fica ocupando o espaço da cabeça
e não quer sair de jeito nenhum
usamos essa palavra aquela
e ela não se conforma
não quer tomar forma
não quer ser vista
por outro lado também
não quer ser esquecida
fica entranhada em algum lugar
antes da fala

AMESTRADO


é tão bom estar domado
ter um espaço delimitado
comida no horário
fazer tudo sem pensar
demonstrar felicidade sem magoar
estar sob cuidados
sem precisar olhar para os lados
e principalmente
não necessitar ficar ausente

sexta-feira, 24 de abril de 2015

ANGÚSTIA

tenho uma torneira pingando
no centro da minha cabeça
sei onde é o registro geral
mas vai fechar tudo


segunda-feira, 13 de abril de 2015

DE CASA PARA O TRABALHO

DE CASA PARA O TRABALHO I
  
o sonho escorre pelos cabelos
e se entranha na fronha
imperceptível a olho nu
mas o olho da memória
enxerga tudo até o cheiro
o despertar interrompe a atmosfera
a cabeça verticaliza
e vazia de sonhos
mergulha no esquecimento



DE CASA PARA O TRABALHO II

a água vista por dentro
lembra um sonho
aquele no qual nos molhamos
e mesmo acordados
continuamos afogados



DE CASA PARA O TRABALHO III

automóveis e transeuntes se apunhalam
o sangue derramado forma as avenidas
eu não nasci ainda
talvez por isso pareça apagado
movo o corpo como quem morde
meus dentes são de asfalto
meu hálito poluído de barulhos
me obriga a vomitar a cidade


DE CASA PARA O TRABALHO IV

escorro pelos corredores
os corredores entram em mim
pelas artérias
carimbo a tarde inteira
pequenos desenhos do sol
que insiste em nascer todos os dias


DE CASA PARA O TRABALHO V
as pessoas são compostas de pedra e mercúrio
pouco ouro sobra nessa hora
os ossos desvalorizam o entulho
talvez os nervos e os músculos
retomem a dianteira
e mesmo chegando antes
ainda assim será tarde



DE CASA PARA O TRABALHO VI
o dinheiro cai na entranha como uma lâmina
despedaça por dentro o que era fácil
mostrar um silêncio intenso
quando a dor estiver em coro
a alegria não cabe no bolso
nem cabe na mão
o dinheiro não paga
nem quando a vida apaga


DE CASA PARA O TRABALHO VII
ter um lugar para voltar
sem ter razão para voltar
sem um corpo que possa levar
sem um segredo novo
sem asas
sem ar
dobro as etiquetas antes de me guardar na mala
as marcas são turvas como se fosse um aparelho
volto ao ponto de despedida
   

DE CASA PARA O TRABALHO VIII

a noite dorme de bruços
por isso não escuto o seu coração
o que goteja no silêncio são luzes
de longe parecem estrelas
de perto parece emoção


DE CASA PARA O TRABALHO IX

dormir não tem dobraduras
é reto como um sonho
eu queria voar do meu olho para fora
mas meu olhar não tem hora


DE CASA PARA O TRABALHO X

a corda sempre irrompe
na casa do enforcado
o piso tenta alcançar os pés
debalde permanece engolindo a sombra







quinta-feira, 9 de abril de 2015

PAISAGEM RECORTADA

olha essa paisagem
que copiei e colei no poema
um recorte do olhar
que a palavra não consegue falar

RELVA DE CARNE

quem pensa não tem noção
das folhas que disparam
inúmeras sombras
cores parecidas com flores
músculos de horas de espera
e depois de tudo isso não se perder
da esfera produzida pelo outono
rolo de maneira suave
quase alcanço o solo
relva de carne sem paisagem
por tudo isso me cubro

quarta-feira, 8 de abril de 2015

CRISTALEIRA

às vezes eu me sinto uma cristaleira
todos estão vendo o que está aqui dentro
objetos de vidro
delicado manejo
mas estou lá no canto da sala
esquecido como uma cristaleira
onde todos sabem o que tem dentro
mas poucos tem coragem de tocar

SUBTERRÂNEOS


parto natural
resolvo o que me sobra de carne
além do espelho a curvatura e o sonho
procurando uma cabeça onde se esconder
aqui subterrâneos
um ramo de gardênias sufocado pela sombra
quero água gritava mas ninguém escutava
nem a chuva que engoliu a tal curva fechada
não quero nem mereço o que me cura
das feridas sobraram apenas as partes arranhadas
não há nada que me aplaque
tudo que eu quero não posso respirar
por enquanto mergulho
meu silêncio disfarçado de escuro

terça-feira, 7 de abril de 2015

EPITÁFIO DO FÁCIL

não vai ser fácil
arrancar com os olhos o asfalto
não vai ser fácil
mostrar o lado de dentro
mostrar o que perdeu sem demonstrar tristeza
arrancar palavras da folha calada
não vai ser fácil
abraçar o filho morto
comer as flores em homenagem
não vai ser fácil
demonstrar alegria sem os dentes
arrancar a alma sem sentir dor
partir sem levar a sombra
não vai ser fácil
abrir o espelho e não se encontrar
romper paredes sem sangrar
dormir para sempre sem sonhar


quarta-feira, 1 de abril de 2015

ALEGRIA ALEGRIA ALEGRIA

queria ter a alegria de Fatinha
eu seria mais forte
não haveria mais sangue só flores
não haveria mais dores só cores
se eu tivesse a alegria de Fatinha
eu nem precisaria da alegria

DEPOIS QUE MORREM

  sei para onde vão as mães depois que morrem a saudade forma um túnel e a luz que vem em sentido contrário as transformam em cinz...