quinta-feira, 31 de outubro de 2013

FALO

falo faca
corto
falo flor
afeto
falo fezes
defeco
falo falo
penetro
falo feto
fecundo
falo alto
abundo
falo foto
paraliso
falo afago
aliso
falo claro
proclamo
falo calmo
apanho
falo dentro
aplaco
falo centro
apago
falo muito
agito
falo pouco
grito
falo sim
discordo
falo não
acordo
falo voo
aumento
falo chão
cimento
falo tarde
entendo
falo cedo
acendo
(...)

ESPAÇO IMAGINÁRIO

tão inútil
quanto um peixe no aquário
que conversa
com seu rio imaginário
eu atravesso
o espaço que me permitem
e me imagino
conversando com meu avesso

terça-feira, 29 de outubro de 2013

POR ONDE A POESIA PASSA

não há
outro lugar
é por aqui
por onde passa a poesia
passam os teus olhos
teus ouvidos
sem perceber o perfume
carregando o tempo
nas costas
da luz

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

QUANDO HAVIA

quando havia um corpo
era pouco
cabia num copo
quando havia roupas
eram muitas
cobriam corpos
quando havia tempo
quase lento
cabia num momento
quando havia outros
não sabia
outros o encolhiam
quando havia fim
não permitia
do fim
é onde tudo se inicia
quando havia palavras
não se enganava
dizia tudo
quando se calava

TÉCNICAS DE AUSÊNCIA

a técnica da ausência
consiste em se fazer amargo
assim como uma flor parece frágil
e se desmancha só com um olhar
meu cata-vento procura rodar
de acordo com o momento
agora está difícil
breve será fácil
meu sangue pulsa
sem demonstrar habilidade
precisa de guias para alcançar
o outro lado da cidade
eu me faço de amargo
e não disfarço
quem quiser sorrir sozinho
procure ouro

MEU AMOR ESTÁ TRISTE

meu amor está triste
igual a flor que esqueci no espelho
mergulhada no aço não a enxergo
mas ela me enxerga por dentro
meu amor está triste
não atinge o sonho que não tive
minha cabeça aos pedaços ainda resiste
e forma o espaço que me cabe
meu amor está triste
igual ao osso sem a pele
flor que forma o laço que a expele
meu amor está triste
sem saber comer o som
mastiga o barulho do mundo
até formar esse espaço
entre a ausência e o abraço
meu amor está triste
como um caminho sem perdas
malas carregadas de absurdos
provocam rupturas lentas
meu amor está triste
mas é meu mesmo triste
e ao ser triste me mostra
que nada que é meu existe

terça-feira, 22 de outubro de 2013

CRIANÇAS NÃO GRITAM NO INFERNO

crianças não gritam no inferno
porque ninguém vai reprimi-las
esse é o seu inferno
o desprezo adulto
mesmo que gritassem não seriam ouvidas
porque ninguém escuta no inferno
esse é o outro inferno
não ouvir crianças
e mesmo que gritassem e fossem ouvidas
não seriam entendidas
porque o idioma do inferno é individual
esse é outro inferno
cada um fala o seu idioma
e o universo dos gestos
fica perdido
entre a tentativa de fugir desse absurdo
e a de sobreviver ao que puder ser traduzido

O GATO E A VITRINE

um gato flerta

com os manequins da vitrine

pensa em lambê-los

contenta-se em lamber o vidro

arranha a marca da saliva com a pata

na superfície transparente

aos poucos o vento

apaga o seu desejo

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

FACA NO CORAÇÃO

depois da primeira faca no coração
tudo ficou mais fácil
acostumamos com tudo
o sangue derramado
a gravata manchada
a ponta do sapato
o terno rasgado
a respiração cortada
a vista escura
a sensação de ver aquela árvore pela última vez
um cheiro de ferrugem
uma parede que foge e nos deixa cair
sobre o assoalho cuja pequena mancha amarelada
só agora é descoberta
cuja origem não vai dar tempo de descobrir
nem quem a provocou

INTRODUZINDO CURVAS

introduzo objetos
em meu corpo
eles saem pelo outro lado
um lado que não consigo alcançar
e aos que alcançam esse lado
peço que recolham tudo
inclusive as curvas
introduzo curvas
em meu corpo
elas o fecham
e aos que não enxergam o meu corpo
esqueçam tudo
inclusive os objetos

BENEFÍCIO DAS PALAVRAS

então é isso
não sei se essas palavras
vão trazer algum beneficio
então as segure assim mesmo
sim nessa posição
assim elas conhecerão o chão
a partir do céu pendurado em suas veias
até alcançar as curvas de um grão de areia
fique assim com essas palavras
dessa maneira
fogo desenhando a sobrancelha
sobre o olho que fechado te acalma

VENDAVAL

certa vez deixei-me levar
por um vendaval de livros
cada palavra um pensamento
porém sem as páginas
parei nesse momento
não sei meu corpo
entre uma palavra e outra
minha alma
vomita outros ventos
para dentro

sábado, 19 de outubro de 2013

TAXIDERMISTA

meu taxidermista
chegou atrasado
metade do meu corpo
empalhado
a outra metade
briga com a alma
por mais espaço
a alma se apavora
e vai dormir lá fora

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

MERECIMENTO

passei o dia mal ontem
isso não deveria estar aqui
o poema não merece isso
nem eu mereço
quando o poema está mal
ele não me visita
ele sabe que não mereço
nem ele merece

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

UM PEDAÇO

uma hora
depois de aberto
o mundo refez
o pedaço mais perto
algo parecido
com o homem
bateu em seu peito
carne inaugurada
alma tensa
espalhou ao redor
um sorriso
aos que enxergaram
um abismo
da sua boca
essas palavras
costuraram o tempo

CORRENTE

a água corre em Oklahoma
corre em Botsuana
em Copacabana
a água corre incessantemente
corre da gente
pra gente
incontinenti corre
na malásia
na praça Strausberger
corre depois da lágrima
a água corre sem parar
na linha férrea
corre no ar
equilibrando parábolas
a água corre
sem cansar

NUBLADA

pombos espalham o ar
ao redor do túmulo
a chuva empurra a tarde
para baixo
empurra também o morto
tudo para baixo
menos os pombos
treinam a teimosia
de voar contra o tempo

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

BATER DE UM CORAÇÃO

nada vale o bater de um coração
mesmo suave
mesmo de leve
quase breve
vale o intervalo
entre uma batida e outra
talvez
a vida nos espere
em algum lugar
onde nunca vamos chegar

terça-feira, 15 de outubro de 2013

PELA METADE

os pinos que prendem
minha carne à chuva
são feitos de rosas
poucos sabem os pedaços
que cabe em cada passo
meu músculo perfuma
o lado de dentro do corpo
ainda pareço inteiro
embora falte o começo
da chuva mereço a curva
causada pela verdade
inundo outros corpos
até a metade
e o restante cuspo
até cobrir a cidade

ESCORA

pouca coisa
escora a terra
a poesia é uma delas
as demais
não sei ainda
talvez quando a terra
sair de cima

QUEDAS

palavras desabam
esmagam os vãos
tão leves
que nem sentem
quanto tocam
o chão

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

O PESO DO MUNDO

entre o mundo lá fora
e o mundo aqui dentro
esse momento
reduzido a palavras
ou a algum sentimento
que mesmo desconhecido pelos mundos
os torna um pouco mais pesados

POEMA DESENHADO

desenho melhor com a urina
do que com o esperma
costuro calças
que vou usar por cima
mergulho em cacimbas vazias
misturo o sangue ao musgo
procuro incêndios
que eu não tenha provocado
e mostro minhas queimaduras
de culpado
quero o centro
não o do mundo
esse é fácil
quero o centro de tudo

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

MIGALHAS

olho através de mim
e não me enxergo
devo ter partido para sempre
ou faço parte de tudo
talvez meu olho
não caiba no mundo
ou o mundo
me olhe atravessado
a vida é longe
não consigo alcançá-la
no meu bolso
migalhas

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

CRIANÇA

nunca fui criança
a luz que me foi dada
estava apagada
não compareci
à cerimônia do meu corpo
introduziram palavras
em minha boca
de um peito envenenado
a inocência foi um parto que perdi
restou à placenta
mostrar que o mundo aumenta
em cada poro
mostrar que a morte
é um rio sonoro
que faz de cada corpo
um porto

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

MADRIGAL DE OUTONO

não há folha
para ser inscrita
a árvore vazia
é guardada na memória
como uma flor no meio da página
o que se espera do vento
é que haja sentimento
a lágrima lambe a face
usando a língua do outro
as folhas pisadas
pronunciam um barulho
que acorda o dia
para uma luz parecida
com o sonho

ENTRE AS PALAVRAS

o homem mudo
abre a página
com um parágrafo
o que vem depois
não é com ele
nem sempre
após o silêncio
há palavra
nem sempre
há silêncio
entre as palavras
o homem mudo
pronuncia com seu corpo
uma ausência
parecida com o silêncio

terça-feira, 8 de outubro de 2013

VERTEDOURO

as palavras escorrem
pelo canto da minha boca
se fossem de água
eu as enxugaria
se fossem de carne
eu as comeria
se fossem de ar
eu as sopraria
mas apenas escorrem
e formam essa margem
ao lado da minha boca
como se eu falasse

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

EDIFÍCIOS

existem edifícios
mais belos que algumas árvores
os moradores das árvores
não sabem disso
e enquanto amarram seus cantos
entre um galho e outro
constroem com seus voos
edifícios de ar

DEPOIS QUE MORREM

  sei para onde vão as mães depois que morrem a saudade forma um túnel e a luz que vem em sentido contrário as transformam em cinz...