sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

AXILAS

moças brancas despencam
do sol
como axilas
eu murmurado por alguma boca
palavra que não alcança
ser ouvida
invento mares de fenos
espero dentes ruminantes
masco o mundo desamparado
destempero mais que a vontade
furos que embriagam furos
provocam os muros
e seus espasmos

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

INQUIETAÇÃO

a inquietação sob a pele
quase osso
mantenho-me calmo
quase morto
acendo claridades ao longe
meu corpo o pavio
a inquietação soube
ser um nervo quase exposto
agora cor sobre a pele
musgo ou lágrima do sol

ESQUECIMENTO

gostaria de lembrar
relacionar a lembrança
a algo acontecido
uma música
um fragmento de poema
um romance
gostaria de lembrar
algo que lembrasse o acontecido
um gesto
um cheiro
o barulho de um rio
gostaria de lembrar
algo aconteceu
e não consigo relacionar
com nenhuma outra lembrança
gostaria de lembrar

ORBITAL

meu coração voltou
estava em órbita
aprendendo estrelas e destinos
espero que o meu sangue o aceite
e consiga circular
mesmo sem entender brilhar

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

ANATOMIA DO NADA

diante da disposição
dos corpos sobre a mesa
conclui-se as perdas
lembrei de mim de ti
dos telhados de ardósia
e do modo como as flores amarelam
lembrei de retirar o meu corpo
antes da distração da sorte
o não dizer usando o corpo
a palavra inerte em cada fala
lembrei
nem lembro se lembrei
ou criei tudo isso


COCA-COLA

gás
street

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

ENQUANTO O MUNDO NÃO ME ACABA

começo pelo fim
porque é o melhor começo
o fim justifica o medo
e tudo que estiver relacionado
a vida e seus fantasmas
meu modo de mastigar e as fontes
tudo é menor enquanto caminho
tudo cresce quando espero
o intervalo entre um passo e outro
essa quase queda
torna a minha espera eterna
quem sabe o que virá minta
quem não sabe minta de qualquer maneira
a verdade com o tempo 
não clareia



LENÇOL

pendurado ao lençol
a lua pendurada no azul
os sonhos fragmentados no chão
flutuo porque não vejo
uso as mão como leme
eu sei qual a minha distância
entre o lençol e o azul
são essas palavras

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

ESPUMAS

espumas de saliva
meu lábio abraçado ao rio
a vida sempre ensina aonde desaguar
nem todo rio corre para o mar

JARDIM

imagino palavras árvores
poder trocá-las de posição
esquecer as raízes
praticar o chão

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

QUEDAS AGUDAS

já desmaiei com paredes
e desmaiei sem paredes
assim como o tijolo entende o cimento
a pele entende o osso
assim como a flor estende a primavera
o sol estende esferas
prefiro continuar meus desmaios
com paredes ou sem
apresento ao chão meu corpo
da maneira mais aguda

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

ALGUMA COISA

estou sentindo alguma coisa
mas não sei o que é
é bom saber
que estou sentindo alguma coisa
mas não é bom não saber o que é
talvez um sentimento
que eu nunca tenha sentido
ou algum antigo
que eu tenha esquecido
talvez nem seja um sentimento
estou pensando que estou sentindo
e seja só pensamento
talvez eu não sinta a diferença
entre sentir e pensar
e eu esteja sentindo exatamente isso
essa diferença
e a esteja confundindo
com algum sentimento sem sentido
talvez eu nem esteja sentindo nada
só queira fazer
esse amontoado de palavras

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

TRÉGUA

dou-me uma trégua
e esqueço meu corpo na trincheira
misturado à lama
onde ninguém possa vê-lo
mas que possa ser pisado
pelos outros soldados
e depois de mastigado pelos coturnos
e embebido pelos gritos
possa retornar ao princípio
e encontrar em si mesmo o inimigo

MORTE

esse silêncio
que não se acaba

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

OUTRO CAMINHO

existe um caminho mais curto
mas eu não quero
quero o passo gasto
o tempo gasto
a possibilidade do encontro
com o infinito

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

PRAÇA DE SÃO PETERSBURGO

sobretudo de modo inexplicável
o ócio da estátua lembrou-me a tua presença
a estátua e seus ossos
espreguiçando a praça entre meus olhos
as folhas dormidas entre os passos e as falhas
acontecidas durante o inverno
parecia dezembro
no entanto eu respirava algo parecido com o fim

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

INVISÍVEL

enxergo o impossível
quando estou invisível
enxergo o final do poema
sem a minha presença
meu corpo não acompanha
o calor do meu coração
e mesmo invisível se mostra
da maneira que eu imaginava

LEVE

há uma parte no meu corpo
que não suporta peso
por isso escrevo

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

ELIPSES E ECLIPSES

a poesia é elíptica
assim como os cães enfileirados
cagam diante da prisão
sem noção de onde estão
a poesia é eclíptica
assim como a tarde
esconde o que ninguém sabe
a tarde sabe bem que a poesia
não faz bem nenhum
e toda essa conversa é ultrapassada
essa de estabelecer a poesia elíptica ou eclíptica
tudo é conversa de quem não tem o que dizer

NATUREZA MORTA

quem carrega o mar entre os ossos
mira com areia em terreno raso
quem tem a alma mais larga que deus
sabe onde o mundo se acaba
meu coração se debate entre o sal e o céu
perdido entre as folhagens
confundido com nuvens
mastigadas por colhedores de frutas
ou confundido com um nervo exposto
a algum olhar maternal

ANSIEDADE

ir

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

ESTAÇÕES

um verão não dura a vida inteira
mas o terno do inverno
foi costurado com a minha pele
dizem que é mais profundo
cuspir o outono
ou mostrar seus dentes
entre as salivas
mas os dentes estão pendurados
entre as pétalas inacabadas
isso não faria nenhuma primavera sorrir
desnecessário supor que as cores
vão se entregar sem algo em troca
uma escuridão do tamanho do agora
ou uma claridade sonora
tanto traz coragens e derrotas
pouco restou de mim antes dos fatos
trapos e ossos contorcidos entre os trilhos
feitos com meus nervos e meus gritos
antes de pousar nas estações
corto o céu como um deserto
sem fazer sangue sem fazer dores
apenas amenas cicatrizes


UM DIA

eu queria um dia
não é bem isso o que eu queria
eu queria um dia
no meio de um pesadelo
assim o grito de permeio
apagaria o dia
e ele seria apenas
a lembrança de
algum medo

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

RITUAIS

cumprir o ritual
de organizar palavras
até formar sentido
sob algum olhar desconhecido
saber o quanto tudo isso
é ridículo
como o ritual
de vendar os olhos
e se postar diante do espelho

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

DROMEDÁRIO

percorreu todo o caminho
sem utilizar os pés
ou utilizar as asas
nem percebeu
os fragmentos da felicidade
espalhados pelo caminho
nem percebeu
quando tudo começou
e agora que chegou
finalmente descobriu
que não existe um fim

SEM SANGUE

eu pensava
que todos os meses
eram sangrentos
mais sangrentos que os meses
são os dias
e mais sangrentos que os dias
são as horas
a flor rosa
que nos roça
é puro sangue disperso
a água clara
que nos afaga
é puro sangue em verso

terça-feira, 20 de novembro de 2012

O MELHOR AMIGO

assim como os cães
as palavras morrem
antes de nós
eu queria ter um cão
que não questionasse
o meu tamanho
nem a necessidade
de viver sem sonhos
eu queria um cão
para me abandonar
em algum lugar
onde não houvesse razão
para ficar

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

VÃOS

a porta que se foi
e deixou esse vão
o lado de fora
não sei agora
entrar ou sair
são verbos estranhos
meu corpo se apresenta
cumpre o ritual
faz do vão
a porta principal

SEM SENTIDOS

perdi os sentidos
em alguma gaveta
doce mastigar das baratas
entre os sisos meu tato
meu paladar descobre heterônimos
minha audição adiada
minha visão do mundo
apagada como uma encosta
encolhida pela chuva

ESTRELAS ARDENTES

o ardor das estrelas
não se pode acender
toda essa cor
explosões com caminhos
de ida e volta
quem tem aonde chegar
sabe que não existe
a melhor hora de voltar
saber que existe o lugar
essa é a melhor hora

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

AXIOMA

descrença
pequena intervenção de deus
na existência
existo porque a palavra existe
inexisto após a palavra
uso o silêncio como um sintoma
todas as palavras que crio
serão entendidas em qualquer idioma
a palavra é um deus
que tem como oração um axioma

COMO FACA

uso a folha de papel como faca
o que parece sangue são palavras
o que parece dor é o silêncio

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

ENTRE AS MINHAS PERNAS

observo o homem
entre as minhas pernas
melhor dizendo
observo a cabeça do homem
entre as minhas pernas
o pior é que ele nem sabe
que já é um homem
mas comporta-se como tal
com essa cabeça
entre as minhas pernas
empurrando minha carne
rasgando a minha pele
vertendo o meu sangue
esse homem que ainda
nem sabe que é um homem
esse homem que expulso
do meu ventre para o mundo
contra a sua vontade
antes da hora prevista
esse homem natimorto
entre as minhas pernas
troco suas trevas internas
por trevas eternas
o filho que parte
a minha pele
parte para outra parte
melhor que aqui dentro


MAÍRA PINHEIRO

San Francisco, 1978

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

POEMA LONGO

queria alongar este poema
até onde a vista cederia
cedeu meu mundo
e tudo que nele cabia

PARA NÃO ME FAZER

se fosse de pedra
eu me jogaria
em tua vidraça
sou de pássaro
passo meu canto
entre os vidros

HÁ MAR

brinco de azul
entre os cinzas
confundem-me com o céu
não sentem minhas ondas
devasto os cinzas
como se suspenso estivesse
espalho o meu sal

COTIDIÁRIO

vamos começar tudo de novo
fazer as mesmas coisas
ver as mesmas pessoas
talvez os mesmos gestos
talvez as mesmas palavras
a sola gasta do tempo
deixa os pingos das horas
quebrar o silêncio da nossa paciência
certo dia
nós vamos querer recomeçar
e não vamos conseguir
tudo ficará parado
desconheço de como seria a rotina
sem estar desse lado
se é que a morte é de fato
o outro lado

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

POEMA PARA SER QUEIMADO

vejo que chegou até aqui
parabéns
muitos chegaram aqui já mortos
outros cegos
outros surdos
e você está aqui
em frente ao poema
e espera ouvir de mim
algum sentimento
ou algum ensinamento
sinto decepcioná-lo
tolo quem espera isso
de algum poema
acredite que os mortos
ganharam mais por não chegarem até aqui
talvez os cegos talvez os surdos
também tenham ganhado mais
o que posso aconselhar
é que você abandone esse poema
agora
prometo que vou queimá-lo
talvez as chamas atinjam os seus olhos
não olhe para trás

terça-feira, 6 de novembro de 2012

CORRENTEZA DE PEDRA


as árvores descem
mais rápidas que o rio
suas águas verdes
mais parecem de pedra
quando eu entender
a correnteza
talvez também me entenda
as cicatrizes que absorvem
o rio que vem depois

CANTO RECOLHIDO


encolhido no canto
do pássaro recolhido
sob a sombra
um canto de vento
pendurado na nuvem
do tamanho
que a sombra permite
entre o chão e o grito
entre o não e o que digo

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

APARELHO DA TARDE

o sol desceu
com os pés
atolados na chuva
a sombra
sob a água
os dedos esquecidos
dentro de
um aparelho
parecido com
a tarde
que tremeu
e quem não temeria

BELEZA

no começo era lindo
o caminho de flores
o chão engomado pela sombra
o cheiro tornando os poros
mais fortes que a memória
tudo muito lindo angustia
até a beleza precisa de descanso
a feiura da dor
circulando pela pele
como se o sangue exalasse
o perfume do mundo

CADERNO

enriqueço meu caderno em branco
com o meu silêncio
o que eu disser
não vai tirar o peso dos meus ombros
ou retirar o peso do teu
enriqueço o meu caderno em branco
mergulhando-o nas chamas
as cinzas do silêncio
flutuam no ar como desenhos
repousam no não
formando esse poema

DIA DOS VIVOS

não sei onde enterrei
o meu cadáver
espero nunca mais encontrá-lo
se por acaso alguém o encontrar
finja-se de morto
não respondo pelo que
o meu cadáver possa fazer
não aconselho removê-lo
ou enterrá-lo novamente
deixe-o imóvel
talvez eu tenha sorte
e sinta cócegas
durante a autópsia

terça-feira, 30 de outubro de 2012

CORAGEM

não podendo tomar
algo mais forte
resolveu tomar coragem
o gole seco
irrompeu os caminhos
explodiu em luzes
tanta claridade
vomitaria o sol
se houvesse boca
escalaria o dia
se houvesse unhas
tão calmas estrelas
quase um céu apagado
não se mostrasse a escuridão
seria esquecida

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

DIVIDA

devo
devo o nervo
até o caroço
devo um troço
devo ir
devo um almoço
devo ser moço
devo
devo ser rico
devo ser podre
devo
ter sangue nobre
devo
aos fios cobre
aos rios molhe
azias esnobes
devo
devo algum negócio
devo ócio
até o pescoço
devo ter vida
devo ter divida
devo ter dúvida
até de quem duvida
devo
não prego
caibo
quando me der

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

HORIZONTAL

sempre acordo melhor
do que dormi
todos os dias
desperto melhor
assim tudo
fica mais fácil
suportar o peso
da terra
sobre o corpo

COMEÇOU A POESIA

a poesia começou
quem quiser flores
procure o florista
quem quiser cores
procure o analista
quem quiser amores
procure alguém propenso ao fracasso
restou o poeta
e a página em branco
limitada às palavras

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

DO TAMANHO DA ÁGUA

um anjo
acende as asas
e queima a
paisagem ao redor
e eu
que provocava
incêndios aqui na terra
me sinto pequeno
libero
minhas águas

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

SUPERFÍCIE

choro submerso
confundem meu corpo com o lago
largo
procuro me tornar
o mais próximo do oceano
pareço claro
padeço
são de ares meus passos
desconheço
minhas pegadas
se eu não morrer
nunca entenderei porque existem
se eu não escorrer
nunca entenderei a superfície

IDIOMA

quem leu minha mão
no original
entende o idioma
dos meus gestos
língua rara
de sabor estranho
penetra seca o silêncio
como se tivesse tamanho

domingo, 21 de outubro de 2012

MURO

a lucidez
murou meu sonho
eu seria uma paisagem
ou um personagem
de algo
com final desconhecido
mesmo nulo
falo gesticulo
por dentro
do muro de vidro

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

BIGORNA

um artista
nunca se esgota
mesmo esmagado
sobre a bigorna
sua cabeça em chamas
acaricia a cabeça
do martelo

PARECE FÁCIL

viver
parece fácil
principalmente para o morto
permanece imóvel
com sua respiração presa
a lágrima presa
a vida presa
entre a madeira e as fotos
o espirro preso
pelos odores
das coroas de flores

ANTES DO CANTO

existir
antes do canto
desse modo
a poesia nos desabilita
pensamos extrapolar o mundo
no entanto
nada fica

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

DERIVADAS

já visitei lugares
mais quentes que o inferno
já fui solução de várias derivadas
beijei milhares de sapos
e não encontrei o meu príncipe
meu desespero é mais curto
que os meus cabelos
quase na altura dos meus olhos
quando nos encaramos
descubro o meu
verdadeiro tamanho

terça-feira, 16 de outubro de 2012

EROSÃO

o mar tornou-se o que queria
quem ver o azul não sabe o sal
quem sabe o sal não sente azul
límpido de salgar
liquido de sedar
por onde correm os círculos
o barulho do mar faz estragos

DISFARCES

estranhas meus ossos
parecem feitos de plástico defumado
parecem fetos
contorcidos de afetos
parecem fatos
antes de acontecidos
parecem sonhos
antes de adormecidos
cavernoso corpo intumescido
jorra indícios de sorrisos na face
empresto minha pele aos disfarces
quem não me sabe
engole tudo que não cabe

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

CORAÇÃO

espero que o meu coração
pare
no local exato
de enxergar tudo
espero que o meu coração
me veja

ESPAÇO


há pouco espaço
entre um poema
e um abraço
caberia a poesia
se ela soubesse
que não se sujaria

PUREZA

porque é um diamante
não quer dizer
que entenda de pureza
mesmo as flores de pedra
produzem sombras

QUASE UM MADRIGAL

as flores que não alcanço
amassam o meu olhar
esse líquido sonoro
afeta a minha escolha
parece uma dança
caminhar entre as árvores
mesmo que elas pisem
constantemente em meus pés
não perco os passos
e os penduro em cada galho
na esperança que algum dia amadureçam

terça-feira, 9 de outubro de 2012

BOCA VAZIA

nada cruza
o céu da minha boca
nem a minha fala
cuspo as estrelas
evito comê-las
sem que o céu caiba

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

DESVÃOS


o dinheiro corre
nas artérias da cidade
os pulmões das árvores
as que se sabem
sustentam o pó dos escapes
surge eventualmente
algum homem que logo some
entre a alcova e a cova

RÉCITA

começa a recitar
como se a poesia
fosse feita para acalmar
enquanto isso
a alma transborda lá fora
e com o silêncio
o que fazer agora?

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

MORDIDOS

quem se esmaga
sabe o que os dentes mordem
quem sabe dos dentes depois do sorrir
sabe por que se morre
quem sabe o que vale
nunca vale o que move
ultrapassa o espaço do fim
e no fim se comove


VERDADE

eu deveria ter escolhido a verdade
assim morreria mais cedo
esse meu medo
de a mentira prolongar meu destino
tornou minha palavra segredo
a mentira deveria ter me escolhido
assim viveria sem medo
esse meu modo
de prolongar meus caminhos
interrompeu minha vida mais cedo

RARIDADE

nada faz o mundo claro
mesmo quem não existe
o mundo me faz triste
a poesia me faz raro

PONTO CEGO

a palavra passou
nem vi

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

PARIS

a lua paira sobre a torre
como uma auréola
pulo do concorde
e chego antes
cada osso do meu corpo
um monumento
cada monumento
um osso do tempo
as nuvens do meu corpo
não estranham
as teias que se formam
no futuro da entranha

RESUMO


então são essas
as palavras
eu preferiria gestos
mas estou ocupado
fabricando chamas

RAJADA

enquanto eu falava
sobre as folhas
que cobriam o lago
o vento foi mais rápido
e afogou o lago

PERGUNTAS

não me pergunte
talvez eu responda
e a resposta esconda
a verdadeira pergunta
não me pergunte
talvez eu não saiba
a melhor resposta
não me pergunte
a resposta certa
pode não ser
a mais correta

SOB O TÉDIO

durante o inverno
chove mais
sob o meu tédio
enquanto me enxugo
por mais que remeta
minha cabeça
contra o muro
tudo permanece escuro
por mais que eu não mereça
a vida se esvai
mesmo sem furo

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

POEMA DE G.VIEIRA

TEU PRESENTE

no teu aniversário
se guarde no armário
num frasco de perfume
se esconda e suma
pra que o tempo chegue
e não te ache e assim passe
sem ver os disfarces
que ocultas na face
da criança que embalas
pra teu presente

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

CHUVA NO AQUÁRIO

enquanto nada se resolve
alguns vestem janelas
olhos e paisagens se misturam
aos automóveis pessoas e plantas
a vida mostraria a cara
caso possuísse
no entanto
permance impassível
assistindo a chuva
inundar o aquário

ÁGUA FORTE

as marcas da chuva
vão desaparecer
poucos conseguem
evaporar junto com a água
eu fui um deles

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

ENTENDIMENTOS

alguns escrevem poemas para sonhar
outros escrevem poemas para viver
os poemas me escrevem?
ou escrevo poemas?
eu me pergunto enquanto os elaboro
mais fácil vive o tempo que se perde
sem precisar se entender

QUE CAI DO MEU OLHO

a água que cai do meu olho
muda a natureza de lado
parecia brincadeira
agora é fato

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

GAIOLA

o passarinho
e suas cores
seu canto e suas dores
seu encanto e sua solidão
dormem no escuro
do estômago
do gavião

CORRUPIO


a infância gira mais rápido que o mundo
atravessa-se uma bananeira
com risadas certeiras
estripam-se formigas
faz-se intriga
entre um grão de areia e outro
até formar um buraco
lombrigas são dependuradas
até tornarem-se pipas
esconde-se atrás de uma folha
que mais parece uma floresta
o universo cabe na infância
seres de outro planeta
rastejam no muro
até abduzir o sol
e brinca-se de adulto
só de mentirinha

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

QUANDO MAMÃE VEIO ME VISITAR

quando mamãe veio me visitar
não havia mais calendários
percorri todos os 365 dias de maio
como se fosse o primeiro

quando mamãe veio me visitar
não havia desmaios
e a lucidez era o gancho
que fixava o meu corpo entre as nuvens

quando mamãe veio me visitar
não havia mais água
e toda palavra pronunciada
derramava um deserto

quando mamãe veio me visitar
não havia mais alma
e a dor era a película
que me ocultava

quando mamãe veio me visitar
não havia mais tempo
tudo que seria dito
ficou tatuado no pensamento

quando mamãe veio me visitar
não havia mais espaço
corredores e portas
chegaram antes do abraço

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

CHEIRO DE ADEUS

peido adeus
como quem arrota
no fim dá no mesmo
depende de quem escuta
sempre encontro silêncios
no meio da luta
nem todo cu tem desmaios
nem todo filho é da puta

NUNCA MAIS

uma flor caída
um poema esquecido
pouco se perde
dois pássaros roçam as asas
durante um pouso
e nunca mais se encontram

DIA NOITE


o dia embrulha silêncios
que a noite vai engolindo
o dia espalha espasmos
que a noite vai tossindo

ANTES DO DIA


não importa se hoje é segunda-feira
a poesia chega antes do dia
e carrega com ela todos os objetos
que ainda não imaginamos
e o dia não permite
que se tornem realidade

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

CARCAÇAS


acordo e enterro
minhas pernas
nas carcaças dos sonhos
os sonhos não me lembram
nem me lembro
se houve algum sonho
quem sabe os sonhos
libertem as minhas pernas
da necessidade de parar

MOTIVO

poupo-me da tristeza
não pensando
por outro lado
se eu pensar na alegria
não vou ficar alegre
pensar na tristeza ou na alegria
me abstenho
eu queria um motivo
para um poema
agora tenho

terça-feira, 4 de setembro de 2012

PREGO

espero a chuva
como um arrepio
espera a pele
espero a morte
como um prego na parede
espera um quadro

OLHOS LIMPOS

meus olhos estão limpos
mas não consigo enxergar a tarde
nem sei quando ela começou
ou se vai terminar
algumas tardes nunca começam
outras nunca terminam
quando havia vida
eu sabia
já superei essa fase
toda a sujeira dos meus olhos
foi embora com alguma tarde
que nunca mais voltou
meus olhos estão limpos
e quando estão fechados
inclinam meu corpo
em direção à noite

REGRESSO

sinto me falta
regresso a mim mesmo
dou em torno de mim
começos
avanço aos pedaços
dou pés aos meus passos
tropeços

RETIRADA


mais uma vez
retiro as palavras
dos seus locais impróprios
e penso organizá-las
num lugar próprio
e entre esses dois pontos
ocupo mais espaço
do que tempo
retiro-me sem tocá-las
e penso que as abandono
num lugar melhor

sexta-feira, 31 de agosto de 2012

ESTIO

pra mim chega
toda vez é isso
essa página em branco
e esse olho por cima
sem fazer sombra
é só luz é só calor
e nada abaixo se queima
nem esquenta
nem permanece frio
pra mim chega
carregar algo
parecido com um corpo
mas que nunca chega
aonde deveria
porque já está morto

terça-feira, 28 de agosto de 2012

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

O CORAÇÃO É APENAS UM MÚSCULO

não se preocupe
continue administrando
os ossos sob a tua pele
administre o sangue sob a tua carne
enquanto isso
alguém adestra a tua alma
e o coração é apenas um músculo
que te ensinou a pensar em segredo

SOBRE A ESCURIDÃO

o amor ultrapassa as pessoas
e se instala ao redor
o amor da porta pelo vão
o amor dos pés pelo chão
o amor da terra pelas formigas
o amor das formigas pelo cadáver
e o amor do cadáver pela escuridão
prolifera as coisas claras
e uma flor sem precisar de músculos
se despetala

terça-feira, 21 de agosto de 2012

SOMBRA

a certeza de não morrer
abre essa página
tome-a entre as suas mãos
como se uma folha de uma árvore
soubesse que não é mais sombra

OUTRO

não olhes para mim
se estás ai dentro
não fui eu quem te introduziu
nem me perguntes pela saída
se eu soubesse já teria fugido
olhas quando olho
desapareces quando desapareço
querias estar ao meu lado
mas tens medo
no fundo queres me socar
mas socar o meu rosto
só vai provocar a quebra do espelho

FOTOGRAFIA

sempre me imaginei
como uma fotografia ao fundo
desfocada
quase sem ser enxergada
uma mancha perdida
na paisagem
algo a ser excluído
da arte final

DEBULHADO

pensei em deixar o tempo
marcar a minha pele
agi antes e me descasquei
o tempo passeia agora
entre uma lasca e outra
evitando minhas águas

AUSENTE

e se te mostrarem o quarto vazio
com os pés da cama pendurados pela janela
as roupas enforcadas nas cortinas
os papéis de parede em adiantado
estado de putrefação
e a tua voz permanecer oculta
mesmo envolvida num grito
e o teu gesto chegar depois do gesto
de uma estátua
e o teu pensamento cansado
de tanto preencher paisagens
e o teu corpo guardado
dentro das tuas malas
mesmo assim não entenderás
a tua presença


ANTES PASSADO


alguém parecido comigo
em algum lugar do passado
mói a angústia
de outro antepassado
eu não converso com a angústia
tenho outras prioridades
meu futuro é estranho
como era para o meu antepassado
mais estranho é o presente
que me coloca de lado

ACENOS


um céu retorcido de arames
protege o sol dos nossos olhos
alavancas turvas abraçam nossas pernas
areia afogada sob o mar
todos esses corpos
com os braços erguidos
acenam como se a despedida
tornasse o azul mais possível
no entanto outras cores
submerge tudo


sexta-feira, 17 de agosto de 2012

RISCO

traço um risco
entre mim e o fim
não entendo de equilíbrios
entendo mais de quedas
tenho o bolso repleto delas
na calça esquecida onde morri

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

BREVE INTERRUPÇÃO

alguém
que sabe ser feliz
por saber da morte
por saber que as borboletas
pousam sem precisar de sorte
interrompeu essa página
para dizer isso
e mesmo assim
não foi ouvido


VAZIOS

no poema
há temporal
há calmaria
no poema
cabem agonias
almas tardias
procurando corpos
encontrando ossos
armadilhas
no poema
há acidez
há troncos sem raiz
sem abdômen
há peles
procurando nomes
há pelos
há falos
amenos
no poema
ai de quem
tem a certeza
que há
algo num poema

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

A MELHOR FORMA DE DIZER

sempre assim
buscando coisas
difíceis de dizer
encontrando coisas
fáceis de sentir
e como escrever
sem usar palavras
já usadas
melhor soltá-las

COMO SE FOSSE ÁGUA

não consigo ficar contido
não consigo me conter
no entanto está tudo entupido
não tenho pra onde correr
se ainda eu pudesse esborrar
se ainda eu soubesse evaporar
mas não consigo
não sei como me desfazer
não sei como fico concreto
não sei como me liquefazer

SONHO SEM CABEÇA

se eu tivesse cabeça
teria um sonho
meu corpo sonha
com uma cabeça
sem sonhos

DÓCIL

meu algoz é dócil
sorriso na ponta da espada
atravessa a minha entranha
reduz à dor física
meu desespero encravado
como se eu pudesse
escolher uma dor

NOME DA CHUVA

diferente das pessoas
toda chuva tem um nome
as pessoas nunca chegam
mesmo quando sabemos os seus nomes
a chuva sempre vem

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

CRU SE FICO

por falta de cruz
fico pregado na parede
espero alguém vir abrir
as sete chagas
as sete pragas
às sete horas
alguém abrir a porta
por onde eu escorra
essa demora me incomoda
alheia à gravidade
a parede se espreguiça
e me encaminha
em direção ao céu

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

FANTASIA

a poesia
é o nome de fantasia
do sonho

MORTO POR ENQUANTO

a morte é estranha
enfrentei situações terríveis
e sobrevivi
agora morro por um simples fato
dizem que não entendem
algumas coisas que escrevo
nem sempre quem escreve
quer dizer alguma coisa
minha capacidade de reter palavras
está comprometida
mesmo depois da minha morte
as palavras continuarão a crescer

COMO EVITAR UMA GUERRA

não transforme seus inimigos
em motivos para a guerra
pois a guerra
inevitavelmente
acarreta a morte de inocentes
por isso antes
que a guerra comece
elimine os inimigos
mas aja depressa
antes que eles tenham
a mesma idéia

AS DIFÍCEIS FÁCEIS

alguns preferem as fáceis
porque não querem dificuldades
porque as fáceis estão em toda parte
e qualquer um tem acesso
outros preferem as difíceis
pela própria dificuldade
e ao usá-las e tornar isso público
vai parecer aos outros
que tudo ficou mais fácil
eu prefiro as fáceis
para usá-las de maneira difícil
usar as fáceis de modo fácil
não vai parecer nada difícil
então dificulto o uso fácil
procurando o modo difícil
classificar o que é fácil
ou o que é difícil
também não é uma tarefa fácil
usar por exemplo a palavra fácil
para um poema parecer difícil
é mais fácil escrever difícil de maneira fácil
do que escrever fácil de maneira difícil
senti isso desde o inicio


segunda-feira, 30 de julho de 2012

RÓTULO

superar o limite do sonho
e acordar com a vida em punho
usá-la pra recortar
tudo que foi encaixado na noite passada
comer os cacos
engolir os frascos
onde a cabeça estava guardada

PRECIOSAS

lapidar palavras
é para os fracos
dilapidar palavras
é para os francos
ser fraco ou franco
requer incerteza
no meu sincero silêncio
ergo minha fortaleza

PANCADA DE VENTO


pancadas de vento
empurram os corações
para bem longe
algumas vezes os corpos vão junto
nunca tive essa sorte
meu coração perdeu-se na poeira
e o meu corpo ficou
dando voltas no ar
até ficar gravado aqui
nessa página

quinta-feira, 26 de julho de 2012

MODO DE LEVANTAR

a lua o sol
ou qualquer outro objeto
dependurado lá fora
ou as pessoas que caminham
ou as penduradas em automóveis
ou as que se arrastam e as que flutuam
ou os animais arrastados por coleiras
ou os que pensam que estão soltos
ou as plantas
que aproveitam para pensar
enquanto dormimos
tudo que citei
e todas as outras que não cabem
na minha cabeça ou na tua
nada disso
vai se importar
se tu vais por os pés no chão e caminhar
ou enfiar os pés em algum couro
ou em algo plastificado
ou se vais empurrar tua cadeira de rodas
ou se vais te arrastar sem as pernas
nada disso
ninguém está preocupado
se ainda tens pernas ou braços
ou se estás pensando em algo
ou se o teu cão arrancou
a flor que tens desenhada no teu carro
sugiro que volte a dormir
troque o sonho pelo pesadelo
assim acordarás mais rápido e com medo
e porás os pés no chão
como se fosse um segredo

ONDA SONORA

melhorei minha culpa
meu coração de peruca
passeia disfarçado
entre os cogumelos
pareço chorar
mas a minha alma
por dentro está enxuta
e quem me escuta
há de me dizer
por onde a minha alma anda por dentro
há de saber
que o meu corpo tornou-se
uma onda sonora
de um instrumento
que ainda vão inventar

terça-feira, 24 de julho de 2012

CORPO ESTRANHO

eu não conheço aqui
eu não conheço ali
desconheço algum lugar que me reconheça
meu corpo estranho bóia no meu olho
sinto-me um estranho dentro de um olho
uso a paisagem como meu colírio
faço das palavras meu delírio
e permanece lúcido meu olho

SANGUE DESCONHECIDO

o sangue quase seco na mão
pegajoso cola os poros
respiro impaciência
um colar de chãos
envolve o meu pescoço
passeiam sobre mim
essas palavras
essas pessoas
o sangue seco na mão
pena que não é o meu

PRÍNCIPE ENCANTADO

não mergulhei no lago
em busca de algum sapo
para beijar
mergulhei no lago
porque eu não sabia nadar
e se algum pretendente
enxergar o lago
e no meio do lago
meu braço erguido
será coroado
o meu príncipe encantado

sexta-feira, 20 de julho de 2012

PARA ENTENDER

às vezes entendo
teus poemas
a maioria das vezes não
os que entendo
são aqueles sem palavras
aqueles desprovidos de página
os que não entendo
também estão sem palavras
mas eles me escrevem no mundo
como se ele fosse uma página

AR DE ARADO

frio sem arrepio
o pássaro lambe a manhã
até molhar um canto
poro arejado
porejar o arado
até formar um pranto
fios se emborracham
com pouca eletricidade
nenhuma energia garante
sentir a velocidade

quinta-feira, 19 de julho de 2012

SENTADO

sentado
sendo olhado pelo
mundo
sendo olhado por mim
pareço perdido
isolado
não disfarço quando me perco
grito para dentro
não escuto
crio muros
e nem me mexo
espero
o momento exato
e me levanto

TEMPO QUE ME ENGOLE

o tempo me despela
estranha entranha
que me engole
sem dar goles
lençóis encobrem o céu
em grande escala
são a minha pele
arrancada pelo tempo
entranha imensa
engole minha cabeça
sem pagar a recompensa

terça-feira, 17 de julho de 2012

DEPOIS QUE O VENTO PASSAR

vai passar
vai passar
esse vento
impertinente
desmanchando a praia
jogando areia nos olhos
vai passar
antes que o sal da água se apague
e a água doce lave os olhos
vai passar
esse vento
sem rodeios
derrubando tudo por dentro
quebrando coisas
difíceis de consertar
e outras impossíveis
mas que permanecerão sempre aqui
depois que o vento passar

POR TODO LADO DO CORPO

meu lado esquerdo
envelhece mais rápido
que o meu lado direito
meu coração mais velho
que a minha mão direita
quer tornar a felicidade
uma obrigação de
todos os lados do corpo
a mão esquerda que não pensa
até porque não há razão pra isso
sufoca o coração
até ele entender
que não existe o paraíso

quinta-feira, 12 de julho de 2012

IDADE DOS BRINQUEDOS

os brinquedos não acompanham
o envelhecimento da infância
objetos virtuais de plástico
submersos no lodo da lembrança
obstruem a passagem
dos adultos afogados na esperança

SANGUE DE POESIA

o sangue da poesia
sempre é desproporcional à queda
não é arterial nem é venoso
mais epitelial do que venenoso
mais normal que assombroso
o sangue da poesia
não cabe num corpo
talvez numa multidão
se encontrasse algum coração

quarta-feira, 11 de julho de 2012

CÉU INTERNO

a noite finge orgasmos
molhando a lua
as nuvens formam palavras
que o céu apaga
o céu azul não é o meu
papel em branco
escrevo planto e arranco
vista do alto
minha cabeça parece solta
sob ela um corpo enrugado
carrega um céu interno
mais inverno que moderno
já passei da idade
de sentar nas nuvens
elas são manchas
espalhadas pelo meu corpo azul
abraçado ao mundo

sexta-feira, 6 de julho de 2012

IDÉIA

a idéia
espreme a testa
até sair uma cabeça
e ela
entre dois mundos
ou dois dedos
pensará que é medo
o que parece fundo
e encolherá
entre a testa
e o crânio
até vencer
o tamanho

SEMPRE SERÁ BREVE

não importa o acúmulo das horas
sempre será breve o nosso tempo
nem gravar o som dos momentos
sempre será breve o nosso tempo
não adianta esperar lá fora ou aqui dentro
sempre será breve o nosso tempo
nem expor o nervo à prova
sempre será breve o nosso tempo
acordar o músculo com a espora
sempre será breve o nosso tempo
ancorar o barco no vazio lento
sempre será breve o nosso tempo
ou esperar que um poema resolva o nosso problema
sempre será breve o nosso tempo

ADEUS AOS DENTES

penso constantemente
em me livrar dos dentes
pouco tenho sorrido
pouco tenho mordido
e os socos que me atingem
são tão fracos
nem rasgam os lábios
com a boca vazia
sobrará mais espaço
para o grito e
para a poesia

DESENCANTO

ao redor do mundo
é mágico
ainda não
estamos nele
por enquanto
o mundo nos empurra
para o centro
do desencanto

quarta-feira, 4 de julho de 2012

HEMISFÉRICO

escrevo
costuro a ilusão
com as linhas da minha mão
enrolo a vida que me veste
com a mesma mão
desfaço o gesto
descrevo
preencho vazios
com linhas imaginárias
finco a bandeira
no lado escuro
do globo ocular
a poesia a faz tremular

POESIA ENLATADA

ninguém procura
a estante da poesia
é a última do corredor
e para chegar até ela
inúmeras escadas
corredores sem janelas
catracas
e quem consegue alcançá-la
procura a melhor embalagem
dentro do prazo de validade
sem arranhões ou amassos
sem contraindicações ou percalços
espera emoções ao abri-la
nem percebem
que os melhores conteúdos
ficaram espalhados na entrada

segunda-feira, 2 de julho de 2012

PREFERÊNCIAS SUICIDAS

um suicida que goza com a morte
só prova isso uma vez
eu prefiro o delírio
espalhado pelo óbvio
existem outras formas de morrer
sem precisar nascer com vida
escrever por exemplo
deixar-se levar por palavras
mais fortes que a fala

A DUREZA DO ABRAÇO

aprendi a abraçar
depois de morto
talvez tarde demais
o rigor morte
não permite
que me mova
de maneira adequada
permito-me abraçar
apenas o ar raro
e o escuro que me serve
de anteparo

sexta-feira, 29 de junho de 2012

PERDIDO

a chuva vem ao meu encontro
enquanto estou desabrigado
meus sapatos sustentam meu peso
o peso da água
e o peso das nuvens
a chuva apaga o meu rastro
jamais serei localizado

TOQUE

não sei que mão usar
para tocar a felicidade
quem a alcançou
favor mostrar

quinta-feira, 28 de junho de 2012

POEMA ENTALADO

o poema entalado
na goela do silêncio
com água
tentam empurrá-lo
mas ele só entende
de incêndios

AO INFINITO

depois das flores
os jatos de neon
perfilam tensos
troncos amanhecidos
talvez de árvores
talvez de homens
erguem os braços os galhos
em direção ao infinito
para onde foram as copas das árvores
as cabeças dos homens
eu já fui também

HÁBITO

desde pequeno mastigo arames
geralmente farpados
em silêncio rumino
as contrações explodindo
desde pequeno defeco arames
geralmente lisos
aos gritos expelindo
trilhas e traças construindo
desde pequeno me alimentam
com arames e vidros e pedras
geralmente separo o arame
de tudo que não presta
expurgo as pedras e os vidros
e as palavras que me restam

terça-feira, 26 de junho de 2012

PORTAS

há milhares de anos
uma porta ergueu-se
entre mim e o nada
a poesia é a chave
construo mãos
usando palavras inacabadas
circundo a maçaneta
com meus cinco medos
deveriam ser os dedos
com eles fixo o meu corpo
entre a madeira e o osso

quinta-feira, 21 de junho de 2012

SALA DE ESPERA

na sala de espera
espera-se de quem espera
que leia alguma coisa
prefiro ficar pensando
para pensar não preciso de idéias
preciso de idéias para escrever
embora muitos escrevam
sem ter idéia alguma
embora muitas idéias
nem sejam escritas
na sala de espera
quem não tem idéia
desespera-se
prefiro ficar pensando
em ter alguma idéia

TRANSMUTAÇÃO

a agulha atravessa a minha pele
alcança o osso e atinge a alma
e a acaricia ao invés de sugá-la
uma alma
com a marca de agulha nas costas
quem a encontrar
avise que está morta

terça-feira, 19 de junho de 2012

MORDIDA

a copa da árvore sem a árvore
flutuando entre o meio-fio e a foto
de boca aberta espero algo que eu possa morder
pode ser algo como essa passagem
entre a paisagem e o sono
algo que não tema os meus dentes
algo que queira morrer ao dar prazer

segunda-feira, 18 de junho de 2012

ENTRE AS ALAMEDAS

não sei andar de bicicleta
talvez por isso eu não tenha
o equilíbrio necessário para o choro
toda essa água em que me movo
é tudo pedra
meu oceano é minúsculo
quase não pesa
mesmo quando suo ou quando chovo
são aparas colhidas de outro sonho
se caminho trôpego pela alameda
quando deveria estar voando
imploro aos que encontraram as minhas asas
para que as esqueçam engavetadas

sexta-feira, 15 de junho de 2012

A FOME E O FOGO

os fios que formam
a face do fogo
bebem na mesma fonte
dos fios que formam
a face da fome
então o fogo
é a outra forma de olhar a fome
então o que queima no faminto
não é a revolta
pela presença da fome
o que queima é esse fogo
que bebe na mesma
fonte da fome

quinta-feira, 14 de junho de 2012

PEDAÇO DE AZUL

o pedaço de azul
descascou a nuvem
depois se juntou a outras
e se precipitou
chover é natural de quem espera
estiar é natural de quem chegou

MODO DE USAR AS PERNAS

pouco uso as pernas
para me mover uso a cabeça
fecho os olhos e estou em Tóquio
colho uma flor no Gabão
penduro o chão
nas minhas pernas
arrasto o mundo
em minha direção

SOTERRADO

toda tarde
chove embaixo
da mesma árvore
todo abrigo
sabe o que é preciso
mesmo soterrado
a terra não sai
do meu lado

segunda-feira, 11 de junho de 2012

SALITRE

quem não tem o mar
para chorar
não tem onde guardar
o sal da lágrima
por dentro
salga a alma e a estica
num lugar
onde o sol
não possa alcançar

PRAIA

a praia que se adensa
tremula
tal qual uma bandeira
o dia me espia surpreso
porque a poesia me ensinou
a passar da hora de morrer


LEVE

se eu fosse livre
seria leve
estou preso a esse vôo
e se pareço parado
é porque os olhos
que me enxergam
estão fechados
meu vôo é breve
a sua vírgula
é o infinito
seu ponto final
ainda não me escreveu

sexta-feira, 8 de junho de 2012

AXIOMA

não adianta capricho
os meses retocados
estocados uns sobre os outros
iludem formando anos
nada se amontoa
escorre sob nossas peles
o sangue do axioma recortado


PRIMEIROS MOVIMENTOS

veja como ficou
quem diria que ficaria dessa maneira
ninguém imaginava
nem eu mesmo
queria dizer outras palavras
mas o tempo não deixou
o corpo não deixou
o máximo que consegui foi isso
espero a sua opinião
caso queira manifestá-la
ou então deixa pra lá
assim como eu deixei
fico observando
não digo mais nada

quarta-feira, 6 de junho de 2012

QUANDO O MEDO ACENDER

quando o coração
acender o medo
lembre que há no corpo
outras partes
que poderão soprar o medo
existem outras partes
do teu corpo
e existem outros corpos
em toda parte
podem usar teu coração
como um segredo
soprar adrenalina
estricnina ou vaselina
apagar o medo
de qualquer parte

JARDIM DA INFÂNCIA

um adulto nos penetra
assim termina a nossa infância
trancada numa sala
à prova de som
a psicologia é noturna
não funciona durante o dia
em vão ampara o silêncio
utilizando palavras
que não apagam
as manchas de esperma
na alma


segunda-feira, 4 de junho de 2012

NÃO LEIA

não tá a fim de ir
não vá
não tá a fim de morrer
não morra
não tá a fim de ler
não leia
agora
não venha exigir
palavras
onde o silêncio
é a melhor
maneira de dizer

BOLO FECAL

poesia é água
ajuda na formação do bolo fecal
mas isso é lá coisa que se ponha
numa poesia
vão dizer
então direi que
a morte também é água
e ajuda na formação do bolo fecal
da alma

sexta-feira, 1 de junho de 2012

TROCA DE OLHARES

deposito meus olhos sobre a mesa
recebo um troco maior
guardo a paisagem que sobra
no bolso esquerdo
saco outros olhos
do bolso direito
está sujo de dinheiro
suficiente para a passagem
aonde vou não preciso de olhares
espero que aceitem
minhas mãos como pagamento
no bolso da camisa
guardo todos os acenos

QUERIA DIZER QUE SOU A CHUVA

a chuva debalde
interpretando a paisagem
molhando as rusgas
não é bem isso
o que eu queria dizer
meus pés alcançam um brilho
onde o trem guarda o estio
não sou tão rápido
sigo o arrepio
como quem sonha com
uma morte feliz
ainda não sei se é isso
o que eu queria dizer
caio oblíquo
perpendicular à chuva
escorro sem destino

quinta-feira, 31 de maio de 2012

HERANÇA

colhi as flores de pedra
colhi os frutos cinzentos
colhi onde começa o mundo
colhi tudo que não foi dito
revirei os escombros
e em nada disso me encontrei

quarta-feira, 30 de maio de 2012

SR MERDA

estava distraído
quando foi comido
não tinha a menor idéia
do que era ser mastigado
não tinha a menor idéia
do que era ser engolido
ou do que era ser digerido
não tinha a menor idéia
do que era ser defecado
agora sabe de tudo
e entende tudo
que conheceu por dentro
tudo ficou esclarecido
e da maneira que ficou
sabe que nunca mais
será comido

terça-feira, 29 de maio de 2012

UM LUGAR

enquanto me aguardo
lembro de um bom lugar
onde eu mantinha as pernas suspensas
e o corpo pendurado pela água
nem sei se o lugar existe
mas o lugar tem mais importância
do que a sua existência

MORDER É MELHOR QUE SORRIR

prefiro morder a sorrir
o riso não me alimenta
pelo contrário
provoca sempre ligações
com algo que provocará fome
melhor morder antes

segunda-feira, 28 de maio de 2012

BARQUINHO

o barquinho de papel
da infância
desceu o córrego
sem mim

VENTO

é de vento
o material utilizado
na formação do tempo
talvez por isso se acumule
entre os furos da morte
e do futuro

MARCA DO MUNDO

o mundo passa
deixa a marca
em nossos rostos
escondemos nossos mortos
de um mundo
que não temos

MOMENTO DE FELICIDADE

a morte não pensa em mim
também não penso nela
prolongo o meu olhar
até onde posso alcançar
faço o mesmo com a respiração
meu coração tenta
um ritmo diferente
mas a alma não acompanha
a felicidade é um momento
que não percebemos

sexta-feira, 25 de maio de 2012

FACA DA PALAVRA

nem tudo que corta
gosta de sangue
também nem toda palavra
gosta de ser poema
a palavra que cobre o pensamento
e se mostra quase compreensível
é pincelada de espanto
e corte desprezível
para que se torne poema
melhor continuar a palavra
representando uma faca
que penetra no espaço em branco
mostrando um sangue
que nunca se acaba

quinta-feira, 24 de maio de 2012

A DOR E SUA INUTILIDADE

dói menos
não servir pra nada
enxergar a dor em um poema
ou em qualquer palavra
é um exagero
a dor não precisa
dessa rotina
entre nascer e morrer
ela de encaixa
e não se deixa morrer
por ser a mais humana
sobrevive ao que é visto
engolindo os cacos da calma

terça-feira, 22 de maio de 2012

COISA

a palavra coisa
é estranha
adjetiva tudo
e nada
subjetiva outras coisas
significa todas as outras palavras

NO ESCURO

poucas coisas
proliferam no escuro
a poesia é uma delas
a poesia não precisa de luz
usa o barulho para se aquecer
a poesia não se move
remove quem se põe a ler

sexta-feira, 18 de maio de 2012

quinta-feira, 17 de maio de 2012

CLARIDADE

a claridade interrompe as abóbodas
colunas de ar mastigam a tarde
procuro as penas de qualquer asa
o vôo cumprirá parte do sonho
sempre que fui triste me neguei
noutros momentos tive a claridade
passo em falso alimenta
a atmosfera que amedronta
não vale a pena ser triste
ser alegre paralisa
melhor ficar assim
entre um poema e outro
como se a vida desaguasse

PENSAMENTO LIVRE

meu pensamento livre
aprisiona a palavra
entre o olho e a página
meu pensamento livre
é solitário
ao conhecer outro
aprisiona-se
meu pensamento livre
deixa sempre
alguma coisa no caminho
quem não me ouve
sabe do que é feito
meu pensamento livre

quarta-feira, 16 de maio de 2012

SÉCULO 21

as pessoas pensam que
as pessoas mais velhas
sabem mais
é verdade
os mais velhos sabem mais
sabem inclusive que afirmar
que os mais velhos sabem mais
é uma tolice

as pessoas pensam que
quem escreve
sabe tudo
não é verdade
justamente por não saber de nada
é que as pessoas escrevem
o aprendizado consiste em escrever

as pessoas pensam que
sonhar requer um esquema
algumas vezes sim
requer cansaço e insônia

as pessoas pensam que
amanhã o dia será diferente
não é verdade
amanhã o dia será igual ao de hoje
e o de hoje será igual ao de amanhã

a raiva que arranha
ou a alegria que cicatriza
são sujeiras que a paisagem se permite
mas não se altera
nem altera o olhar


ESCOLHAS

então a sua escolha foi essa
o que foi descartado nem existe mais
reimprimir sobre a página já impressa
vai tornar o texto confuso
resta ler o que sobrou
de preferência em voz alta
a vida não permite
leituras silenciosas
nem textos com ponto final

terça-feira, 15 de maio de 2012

O ZÍPER DO CÉU

quando descobri
o zíper do céu
já era tarde
a terra já havia
me engolido
das flores terminais
que enfeitam esse estômago
no qual me vejo perdido
brotam o som
de um céu antigo

RISCO DA ESCURIDÃO

a escuridão reduz
os riscos de estrondos
porque a escuridão
é a luz quando implode
o tato um dos fragmentos
o tropeço outro fato
lembra o sabor do sol
morder a luz por dentro

segunda-feira, 14 de maio de 2012

ALMA DO POETA

poeta não precisa de alma
a poesia é o seu corpo
e a alma forma-se no espaço
entre o poema e o olho

sexta-feira, 11 de maio de 2012

DESMAIO - poema de G.VIEIRA

veio maio sem mais
nem menos desmaios
da dor
de saber-se nada
sem mês, sem mais
maio vem
aos poucos mortais
que vivem em desmaios
de terem demais
todos os maios
para tão desiguais



visitem www.todapalavratoda.blogspot.com

MISTURADO AOS RESTOS

as estrelas
não entendem
o meu brilho
sob os seus pés
mistura-me aos restos
dos cigarros
sou a mera fumaça
que a luz atravessa
e me despedaça

RESOLUÇÃO

foi resolvido pelo sangue
onde posso morrer
todos esses furos
conto como pedaços
dentre todos os objetos
palavras sem mim
encaminham o meu fim

quinta-feira, 10 de maio de 2012

JARDINS SUSPENSOS


sem palavras
suspendo os jardins
mas as flores não caem
irrigo o vazio
com o que crio


TESOUROS

a partir do
deserto do olho
ergui os meus
tesouros
o que não vejo
é o que mais tenho

JARDIM

observe como
eu manipulo as folhas
faço parecerem flores
sem as limitações
das cores
manipulo as folhas
como se eu
fosse verde

quarta-feira, 9 de maio de 2012

terça-feira, 8 de maio de 2012

DESENHOS DE CHUVA

a árvore desenha a chuva
a chuva desenha os meus olhos
meus olhos bóiam na água
bóiam na água salgada
de quem pescá-los
espero clemência

POR ENQUANTO OSSOS

cogito
logo ergo o sol
utilizando os pés
deixo as mãos livres
para o poema
e outras coisas pequenas
como a vida ou uns abraços
e demais gestos
que parecem preciosos
mas não passam
dos ossos que a morte usa
enquanto espera a pele crescer

segunda-feira, 7 de maio de 2012

MAIS PARADO QUE A CHUVA

o tempo me deixa parado
mais parado que a chuva
quando tremula por dentro
parece um sentimento
esse vento que tremula por dentro
mas é só o vento

EQUAÇÕES

existem inúmeras
equações sem soluções
a poesia é uma delas
o x da questão
são as palavras
cada letra uma incógnita
a ser desvendada

sexta-feira, 4 de maio de 2012

DE OLHOS FECHADOS

quem abre os olhos
enxerga principalmente
o que não deseja

até um cego encontra
abismos inesperados

eu mantenho os olhos
sempre fechados
enxergo abismos

enxergo palavras impronunciáveis
escrevo abismos

quinta-feira, 3 de maio de 2012

ABORTO

nunca pensei em ser triste
não me lembro da minha prisão de água
não me lembro da luz na minha pupila dilatada
não lembro se pensei em ser triste
dizem que me dou bem com a vida
não sabem que disfarço bem minhas feridas
não sei me segurar na água
escorro pelos canos
alimento rios oceanos
o mundo absorve o meu sangue e me descarta

ABERTO

eu precisava de um poema
faltou o ar
nem todas as janelas foram suficientes
o balão de oxigênio
misturado aos outros balões coloridos
meus pulmões doloridos
procurei palavras
só encontrei as erradas
para tudo que era certo
eu ia escrever aborto
escrevi aberto

DESPINDO A DOR

aos poucos
a dor se despe
e o que parece sangue
é nada mais que corte
e o que parece humano
é nada mais que morte

quarta-feira, 2 de maio de 2012

POR MAIS

por mais que eu mastigue
as palavras não tomam
a forma da minha boca
por mais que eu me intrigue
a morte não toma
a forma do meu corpo
por mais que eu escreva
as palavras não me tomam
permaneço dessa forma

SE EU FOSSE UM RIO

se eu fosse um rio
seria largo
e quando respirasse
inundaria o mundo
se eu fosse um rio
seria claro
e quando me movesse
acalmaria o mundo
se eu fosse um rio
seria muito
e morreria como se coubesse
no mundo

terça-feira, 1 de maio de 2012

OS LADOS DA VIDA

às vezes
sinto a morte
em alguma parte
do meu corpo
algo para e apodrece
e alguma parte
da minha vida
nasce do outro lado
que esse corpo
desconhece

LÍQUIDO E VERMELHO

nunca mais cuspi sangue
porque não há mais sangue
a ser cuspido
o que corre
em minhas veias
são os gritos
dos meus sonhos
derretidos

segunda-feira, 30 de abril de 2012

ERRO DE CONCORDÂNCIA

o amor
é uma forma unitária
querer multiplicá-lo
é querer torná-los
um

OS IDIOMAS DA MINHA AVÓ

quando a minha avó
conversava com as plantas e as vacas
ainda não sabia
o idioma dos filhos
quando a minha avó
aprendeu o idioma dos filhos
e conversava com o pavor e as lágrimas
ainda não sabia
o idioma dos netos
quando a minha avó
conversava com os netos
já sabia o idioma do tempo e da sorte
e pensava que não havia
o idioma da morte

quinta-feira, 26 de abril de 2012

VISITANDO MAMÃE NO HOSPÍCIO

não tirei sua razão
deixei exatamente
onde nunca deveria estar
tentei me depositar
entre as maçãs
e a sua paisagem imaginária
fiquei pendurado para sempre
em seu olhar

MUSGO

o musgo
no muro
observa-me
perguntando-se
que estranha
umidade me
mantém preso
à paisagem

quarta-feira, 25 de abril de 2012

DECÚBITO DORSAL

entendo o grito das formigas
tenho minha cabeça rente ao solo
minha boca o formigueiro
entendo o sabor das formigas
o zíper da minha boca destruído
meu paladar desarmado
entendo os passos das formigas
meu corpo seu caminho

GLÓBULOS

liberto meus glóbulos brancos
e os vermelhos
cortando a minha face no espelho
uso a lâmina d’água
da esquerda para a direita
do corte emanam mágoas
este lado que me aceita
entre a parede e a porta
o único espaço que me conforta
mas não suficientes
para os meus glóbulos brancos
nem os vermelhos
eles atravessam o espelho
cruzam as paredes do banheiro
e enfeitam um céu sem cor
nem brilho


terça-feira, 24 de abril de 2012

CAL

todos bebem a minha cal
menos as paredes
todos querem o meu caos
menos a minha sede
onde termina o tronco
as vezes é a raiz
outras vezes é a copa
onde começa o tronco
ninguém sabe
muitas vezes uma poda
faz a copa parecer raiz
muitas vezes só um sopro
faz uma floresta infeliz

ALGUÉM NO MEU LUGAR

todas essas pessoas
que andam pelas minhas costas
sem saber por onde estão pisando
e pensam que caminham sobre a pele
mesmo quando ferem
todas essas pessoas
que me ultrapassam
e repousam o ventre antes
que eu nasça
entre todas essas pessoas
eu me incluo
e me deixo levar
enquanto alguém no meu lugar
pensa que a vida é boa

sexta-feira, 20 de abril de 2012

ABERTURAS

acho que o meu sapato
está abrindo na frente
sinto um vento forte
no dedão do pé
acho que a minha cabeça
também está aberta
sinto um vento no cérebro
talvez por este motivo
eu esteja escrevendo isso
as flores sentem o vento
abrindo os seus botões
se é que o vento sabe
o que é uma flor
o poema sabe
quando a página
começa a abri-lo
se é que se pode
chamar isso de um poema

quinta-feira, 19 de abril de 2012

A LUZ DO CEGO

enxergar não dá
sentido ao mundo
mesmo sem enxergar
o cego anda em linha reta
e o mundo não coroa o seu olfato
nem dá por perdida a sua meta
o tato abate o que é sentido
e o que se finge não tem papo
e o mundo ao redor do cego
e o mundo que ainda pensa
ser o centro
não entende o quanto é claro
o que é por dentro

quarta-feira, 18 de abril de 2012

CAMINHAR É SONHAR

onde deveria ser uma escada
mostrou-se possível uma alavanca
e a paisagem estragada
entre o primeiro passo e o último
acompanhou o movimento
como se o corpo e o momento
ocupassem o mesmo espaço
quem se mostra aos pedaços
sabe que o caminho é sonho
de uma cabeça esmagada

EVIDÊNCIA HUMANA

alguns acreditam
que a evidência humana no poema
é a palavra
eu discordo
a evidência humana no poema
é o silêncio
e a maneira como ele se locomove
entre uma palavra e outra

terça-feira, 17 de abril de 2012

CHÃO ANÔNIMO

da superfície o que resta
demonstrações de delírios
e seus desencantos
paredes parecidas navegadas
leituras da carne em braile
olhar-me e confirmar inexeqüível
olhar-me sem encontrar nos meus olhos
a perda do plano
confiar no escuro
como os olhos confiam
no amontoado de vãos
confiar nas palavras
como os pés confiam
no anonimato do chão

segunda-feira, 16 de abril de 2012

FALHAS NO PAPEL

eu sempre quis
escrever abril
sem utilizar lápis ou caneta
consegui escrever abril
usando uma pena
que arranquei das asas de um anjo
dizem que os anjos não existem
a poesia também não existe
falhas no papel
produzem essas palavras

sexta-feira, 13 de abril de 2012

RITOS ARTIFICIAIS

entre os buracos
abertos entre
o olhar e a flor
interditaram a dor
instalando plásticos

COMO FABRICAR DENTES

nem sempre quem sorri
entende a felicidade
confundem gestos e coisas
meus dentes postiços são de brim
lembram calças desvestidas
caminho por onde pereço
começo por onde mereço
termino com essa boca
parecida com a minha
o sorriso costurado a cru
a felicidade sempre
provocando esse choque
anafilático

ODE À NUVEM

o sol bebeu
todas as nuvens
o homem aceso
mostrou-se preocupado com o sim
concordar nesse momento era frio
o sol enfiado nos cabelos
os raios cobrindo os olhos
o homem diz sim à sombra
procura as nuvens sob ela

quinta-feira, 12 de abril de 2012

ENGAVETADO

permaneci imóvel
esperando a respiração
voltar ao normal
mas a respiração
nunca mais voltou
a gaveta era fria
mas eu não senti
a gaveta era escura
mas eu não vi


quarta-feira, 11 de abril de 2012

ROSAS BORDADAS

o mundo ainda é o melhor lugar
pra se morar sozinho
espalhe tua pele sobre ele
e mostre as rosas
bordadas nos teus nervos

MOSCAS

todas essas moscas
que brotam dos teus olhos
e se espalham pelo teu tronco
e os teus membros
tentam esconder
essa presença desagradável
das pessoas na tua vida
como se fossem feridas
que nunca cicatrizam

terça-feira, 10 de abril de 2012

MONTAGEM


perdi a manhã
montando o tempo
sobraram peças
que utilizo
pra montar
outros momentos
onde haja
o espaço
para o tempo
necessário



LINHA DE CHEGADA

não tenho vocação
para o suicídio
confio na vocação
dos assassinos
cruzo a linha de chegada
antes da hora
e espero os tiros



segunda-feira, 9 de abril de 2012

ATENTO

o poeta deve permanecer
sempre atento
e ao mesmo tempo distraído
atento à claridade usando óculos escuros
atento à escuridão de olhos bem abertos
atento ao vácuo
e ao corpo que cai
de encontro ao solo
atento ao solo
sem o corpo
que flutua distraído
pelo espaço conhecido

sexta-feira, 6 de abril de 2012

NADA DE PREOCUPAÇÕES

não se preocupe
nada vai mudar
a vida sempre nos surpreendendo
a morte sempre nos interrompendo
enquanto isso
leia algum poema
ou observe alguma estrela
ou não faça nada disso
não se preocupe
amanhã ou depois
o poema e a estrela
serão sempre os mesmos
como também serão os mesmos
os teus medos

quarta-feira, 4 de abril de 2012

MEDIDAS PREVENTIVAS

enterre o seu inimigo no quintal
a morte não garante o fim do mal
regue o túmulo com urina e escarro
não humilhe as flores reduzindo-as a um vaso
misture o ódio ao cimento armado
ao lado do buraco abra outro buraco
e enterre tudo que lembre o inimigo
deixe apenas o ódio do lado de fora
mesmo que não queira usar
o tempo vai te ensinar
porque o inimigo morto
não altera o sistema
mesmo inerte ele trará algum problema
por exemplo nunca deixe
ele ler esse poema





terça-feira, 3 de abril de 2012

ESPERANDO A CHUVA

mesmo acordado
continue sonhando
manter a realidade nublada
nos prepara para a chuva

PINCELADAS

o mar cinzento
entre o céu azul
e a areia clara
os peixes pincelam
o mar por dentro
eu pincelo a poesia
por dentro

segunda-feira, 2 de abril de 2012

A POESIA NÃO PRECISA DE PALAVRAS

as palavras não me procuram
a poesia me encontra
e transformá-la em palavras
é torná-la nula

A POESIA FÁCIL

minha poesia é fácil
dá pra qualquer um
se quiser um orifício
eu faço
se quiser um falo
empalo
para quem tem palavra
tudo fica mais fácil
tudo no silêncio
fica mais difícil
espalho meu
corpo esplêndido
e o empalho
em silêncio

sexta-feira, 30 de março de 2012

MEMÓRIAS


e por falar nisso
melhor esquecer
sempre lembro
de coisas
que quero esquecer
esqueço coisas
que preciso lembrar
por falar nisso
melhor nem tocar
nesse assunto
vou terminar
lembrando de coisas
que preciso esquecer

PARA QUE SERVE O CORAÇÃO

depois que o amor acabou
descobriu que o coração
também serve pra bombear sangue
serve pra se entupir e colapsar
depois que o amor acabou
descobriu pra que serve
a caixa de lenço
na mesa do analista
depois que o amor acabou
descobriu que o amor acaba
sem deixar um lugar
pra ser preenchido
depois que o amor acabou
esqueceu como tudo começou
depois que o amor acabou
descobriu porque o poeta
não fala de amor

O FUTURO

hoje não
nem amanhã
nem depois
nem ontem
quero saber agora

quinta-feira, 29 de março de 2012

SIBÉRIA

o dia quase caindo da página
a toalha muda igual a ponte
por onde um velho barbudo sonhava
queria ser o rio
queria ser nada
nem sabia que era um homem
rasgou os braços
como se o sangue coubesse na margem
ditou os planos
voou fora da rima
aprisionou imagens
enquanto fingia descartá-las
o silêncio o temia
abria espaço para o velho calar

quarta-feira, 28 de março de 2012

RECOMEÇAR

pequenos escuros
esclarecem o retrato
pedaços de curvas deixadas
entre os cantos
parecem mostrar o fim
escolho começar


PAREDE DE VIDRO

uma parede
de vidro
que surge
de repente
diante de um tolo
assim surge
o poema
diante do meu olho
e no rosto cortado
e no quebrado vidro
sangue misturado
com o outro lado




terça-feira, 27 de março de 2012

O TAMANHO IDEAL

ainda não sou
do tamanho que desejo
tudo que cabe
deixou de ser o que é
e tornou-se esse
espaço ocupado
por outro nome

RAMALHETE DE ÁRVORES

o asfalto oferece
um ramalhete
de árvores ao
sol distante
projeta a sombra
sobre o chão
onde descansará
os pés

DENTES

onde tem mais gente
tem mais dentes
e onde tem mais dentes
nem sempre tem mais fome
nem sempre onde tem mais dentes
tem mais sorrisos
talvez mais mordidas
nem todo sorriso tem dentes
nem sempre onde tem dentes tem sorrisos
nem sempre
um amontoado de palavras é um poema
nem sempre um poema
é um amontoado de palavras

segunda-feira, 26 de março de 2012

ACIDENTE PROVISÓRIO

a vida é um acidente provisório
um acidente de incoerente prevenção
talvez por isso a poesia
seja mais convincente que a solidão

sexta-feira, 23 de março de 2012

A MELHOR SOLUÇÃO

melhor sorrir
ou chorar
a poesia
não é a melhor solução
escrevo flor e não vês
escrevo fruta e não sentes
a cor da palavra
não é sentimento
o poeta exala o impossível
e só enxergam palavras

PALAVRAS TOLAS

gasta-se mais papéis
com palavras tolas
do que tolices são gastas
eu sei a solução
de todos os problemas do mundo
mas vão considerar tolice
melhor escrever um poema

quinta-feira, 22 de março de 2012

HÁ UM POETA SOTERRADO

deixei a poesia ainda quente na planície
aos poucos foi esfriando
e formando essa montanha
o músculo é de musgo
o vento raro é feito do estrago causado
há um poeta soterrado
confundem seu pulsar com o do coração

SOBRE A INEFICÁCIA DA POESIA

o debate foi aberto
ressaltando a ineficácia da poesia
quem estava com a palavra
depois a palavra foi dada
eu não tomei a palavra
nem pedi
a poesia assistiu as palavras
sendo usadas
contra ela
permaneceu em silêncio
bela

quarta-feira, 21 de março de 2012

SOM NU


a indumentária do som é pouca
talvez a música sem a boca
talvez um canto sem a quina
talvez nem seja roupa
o nu frontal do som afia
o pelo pubiano da poesia

COMO CORTAR OS PULSOS

essa aura cheia de cor
cruzou a linha do equador
antes que em mim nascessem os braços
pensar o corte após a morte
pensar o poema como um abraço
não vai alterar o timbre
de todas as coisas que eu sinto
mesmo assim mergulho
mesmo sabendo que serei
apenas mais um entulho
boiando em direção ao local
de onde o mar foi retirado

terça-feira, 20 de março de 2012

segunda-feira, 19 de março de 2012

ORGANISMO IMPOSSÍVEL

abra a janela
e apenas olhe
pensar gasta a paisagem
respire com algum outro
organismo impossível
depois feche a janela

O BOM LEITOR

terminada a leitura
o bom leitor
repousa o livro
sobre o banco da praça
e guarda a praça na memória

sexta-feira, 16 de março de 2012

AMPULHETA

meus sonhos
desenhados num mapa
alma que se desmancha
na ampulheta
o tempo preso
ao calcanhar do nada
o espaço que não sabe
ter certeza

O VELHO

o velho encolhido
num canto do tempo
provoca frio
no contratempo

quinta-feira, 15 de março de 2012

MANHÃ


o pássaro gargareja a manhã
o mundo arrasta a lagarta pelas costas
o sol dorme de olho aberto
o poeta iludido
com o abraço profundo do poema
demarca o território com lágrimas

TROCA-SE CABEÇA

troco minha cabeça
por algo parecido
com um pensamento

troco minha cabeça
por um sentimento
assim não terei onde guardá-lo

troco minha cabeça
por qualquer pessoa
mesmo a pior
ainda será boa

troco minha cabeça
por qualquer coisa
menos por outra cabeça

troco por uma alma de osso
qualquer coisa
que inutilize o meu pescoço

troco minha cabeça
por quem pensa
ter uma cabeça

troco minha cabeça
por uma boa recompensa

DIAGNÓSTICO

o médico disse
que ainda vou ficar assim
por um bom tempo
fiquei feliz
eu pensava que tudo isso
era sofrimento

quarta-feira, 14 de março de 2012

RECONHECIMENTO DO CADÁVER

pela arcada dentária
não se reconhece um poema
nem pelas digitais
nem pelo DNA
nem pelo modo
como o corpo
do poema se comporta
acaso encontrado
o corpo de um poema morto
por certo confundiram
com um aborto

terça-feira, 13 de março de 2012

O OLHO DO POETA

buscam no olho do poeta
a felicidade
o local menos indicado

o olho do poeta é sempre cego
uma escuridão onde não cabe o tato


guia sonhos sem cabeça
desenha abismos de palavras
por onde guia quem o encaminha

ALAMEDA COM AZULEJOS

o silêncio ultrapassou o azulejo
dormiu exato entre as acácias
a fruta na sombra e o ar
convivem redondos
a rua sempre inacabada
termina na outra que começa na outra
uma cidade esquecida de se ver
escondida em algum lugar
dentro das pessoas escondidas

A PALAVRA ENGASGADA

no lugar da palavra
a poesia forma outro nome
isso me lembra o engasgo
durante a fome
e tudo que deixei dormir
em troca de um sonho

segunda-feira, 12 de março de 2012

sexta-feira, 9 de março de 2012

BRASÍLIA

Brasília
muito mais ilha que a mais ilha perdida
entre o Brás e a bastilha
na praça dos três poderes
rola minha cabeça maciça
a bandeira enrolada ao pescoço
procura um ar que a tremule

SILÊNCIO

o que sobrou não foi por acaso
acabou a fome da palavra
e esse silêncio ainda vai
perdurar por um bom tempo

SOM DA TARDE

o diálogo da luz com a janela
o passarinho se mete na conversa
nem se o homem acordar
vai apagar esse barulho
do ouvido florescem sons
ou abrigos impossíveis de domar
e tudo que se esconde nas palavras
vai formando a tarde
e tudo que a transforma
em algo parecido com um poema

quinta-feira, 8 de março de 2012

ANTES QUE SEJA TARDE

antes que te abandonem
que te cremem entre os espaços
antes que tudo seja a metade
antes que a vida te reduza a passos
pule se arremesse antes que te puxem
o chão que tens embaixo
antes que te neguem o que nem queres
antes que te congelem
antes que o mundo faça parte
cometa o impossível
antes que seja tarde

A MELHOR PÁGINA

o amor
e todas as suas imperfeições
não se encontra nessa página
e quem pensa encontrá-lo fora dela
e quem pensa encontrá-lo perfeito
e quem pensa encontrar
suas imperfeições
melhor voltar para essa página

quarta-feira, 7 de março de 2012

A CAMISA DO POETA

ninguém percebe
o poema derramado na camisa do poeta
o poema assume a cor da camisa e se perde
sente o coração do poeta mais perto
o poeta sabe que essa mancha não vai sair com água
expele suor e lágrima
esfrega palavras esfrega

VIDA

essa é a minha 
vida 
a sua vida
há um corpo que 
conduz alguém conduz
depende
a tristeza 
em frascos 
destampados
a felicidade 
vapor

terça-feira, 6 de março de 2012

TRADUÇÃO

a poesia traduziu meus olhos aos abrigos
e clareou o que me esperava escuro
e onde me pensei perdido fui esquecido
a poesia abrigou o que traduzo com os olhos
e onde me pensei escuro fui perdido
e traduzi momentos como ritos

BEIJA-FLOR NO DESERTO

um beija-flor de lodo
pousado no cabide do deserto
o lábio trêmulo da flor
o sol encostado na areia
a água vazando do sonho
como se tivesse alma
enche de migalhas um
pequeno infinito guardado
entre uma asa e outra

segunda-feira, 5 de março de 2012

HERBÁRIO

a sombra da tua pressa
ultrapassou o herbário
o melhor deserto
é aquele que irriga
sem precisar de luz
não sabes por que caminhas
nem por que as flores
utilizam o mesmo caminho
mesmo que alcances
a velocidade de todas as coisas
elas sempre virão
em sentido contrário

SINFONIA DE SAPOS

diriam uma sinfonia de sapos
vejo garfos nas costas da noite
são lágrimas a chuva

sexta-feira, 2 de março de 2012

TEMPO DEGOLADO

o tempo degolado
cruzou a minha insônia
e a sua cabeça e a minha
penduradas no céu
demãos de azul sem retoques

VERSO FRATURADO

um verso fraturado
expõe o poeta ao acaso
seu nervo sem o couro colado
lembra um pulso sangrando
mesmo sem estar cortado
um verso fraturado
não tem culpa
de atravessar mancando a página
confunde a raiz ao demonstrar o tronco

quinta-feira, 1 de março de 2012

MEU VESTIDO CLARO

espantei a todos
com o meu vestido claro
tão claro que o meu corpo o ultrapassava
e os apelos dos olhos misturados aos meus pelos
formou esse ninho no qual ponho os meus ovos
e os desenhos do vestido
ou o meu pênis
formaram essa estranha criatura
entre um poema e uma pintura

RECEBENDO ARES

meu lixeiro calmo
prefere o meu corpo como adendo
recebo os restos
do mesmo modo como privo o ar
de certos pulmões

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

CICUTA

amurada
pés quase tocando a água
espero alguém que me explique
o sabor da poesia
os corpos que o mar exala
não acordam os dias

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

EXPLICANDO A SOLIDÃO

explico a solidão
ao companheiro ao lado
ele fragmenta o mundo
e me devolve a melhor parte
percebo que ele não me entendeu
a solidão também não entende o mundo
apenas o fragmenta
e fica com a melhor parte

LABAREDAS

como sempre a labareda que apronto
bebo mares bebo rios
e nunca aplaco a minha sina
de ser solto

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

O PESO DO AMOR

o amor é leve
lembras do pó que tiraste dos ombros?

ÁGUA SUSPENSA

nem tudo que adentra é presa
mesmo esfacelado o lado claro da poesia me recria
nem toda água é suspensa quando se espia
o lago mostra ao olho o que se perde imóvel
então escorra igual palavra cujo leito é a poesia

INCAUTO LEITOR

súbito tudo se transforma
a página branca abocanha imagens e não as devora
crava os dentes na mente do leitor
incauto pensa que aos pulos escapará de uma palavra
ou outra
súbito
movo as imagens para dentro
devolvo o leitor ao centro

sábado, 25 de fevereiro de 2012

SE HOUVER SONHOS

as janelas não são iguais
mesmo as que me cabem
sob a pálpebra da paisagem me encolho
movo-me pouco
procuro ser a parte inesquecível de um sonho

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

PARTE

quando acontece de o mundo sorrir
não faço parte
nem faço parte desse poema
nem o mundo faz parte
o mundo escorre longe da poesia
a poesia escorre longe de mim
mesmo quando termina o mundo
não faço parte do fim

SEGUIDORES

minhas pegadas
tomam a forma
de quem as olha

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

METADE

e por mais
que eu fale
ou grite
não desfaço a minha face
e por mais
que se cave
o infinito
o amor não ultrapassa a metade

FREVO CAPIBARIBE

o colorido das pessoas aos pedaços
boiando às margens do Capibaribe
não esconde o rio indigente
rio que parece um pavio
acendendo gente

CHÃO DO PURGATÓRIO


no purgatório sou o chão
no inferno provisório sou o céu
impossível de ser alcançado
finjo que é um vôo
essa queda no abismo
finjo que é um homem
o corpo que esperam alado
deixo que me sangue
que me juntem os pedaços

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

SULCOS

o poema de amor pendurado no rosto
e a maneira de enxugá-lo
mostrou-se mais forte no inverno
talvez precisasse do frio
talvez escondido num terno
lembrasse um homem

SÍTIO

pés de folhas escalando cascos
ventre de madeira de nós
braços retalhados de sombra e sal
o sentar-se no cimo sem ladeiras
o cheiro do mar escondido nas folhas
caroço maior que a boca e o sumo
planar em segredo sob os muros
guardar todo medo no futuro

NADA

antes da palavra
a poesia
antes da paisagem
o pássaro
antes de voar
o chão

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

VERTIGEM

o mundo não saiu
pelos pulsos cortados
veio

MONTANTE

deixo fácil a palavra para quem quiser dormir
nunca me olham por isso sou preciso
corto sem precisar de sorrisos
agora possuir

ILHADO

enxergam a poesia em toda parte
menos o poeta
ilhado procura um vão um senão
morde as falas
lençóis cumprem caminhos sem ele
o sonho flutua acima da janela
palavras sentem o punho
o osso do poeta transborda invade a sala
a mão erguida de um norte que não sente o fundo

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

PAISAGENS

o mar
as árvores
o vento
a neve
os galhos secos
nada disso é teu
nem os teus olhos

DIÁLOGO

eu
o cara no espelho
o outro dentro de mim
e o outro dentro do cara no espelho
às margens plácidas do vidro
o diálogo escondido
pinta de silêncio o ladrilho

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

ESTANTE

o livro cravejado de poemas
parecem jóias
só que de maior valor

VAGA

e o pedaço da calçada que é gente
espirra tosse escarra peida
mistura o sonho ao asfalto
faz a noite descobrir
que o edredom de papelão
pode fingir ou afagar
o pneu que insiste em estacionar

CORDA BAMBA

materializei a poesia
para alimentar o impossível
fiz de carne pedra e sonhos
mas ela não sabe do que é feita
acredita que palavras produzam imagens
trôpega se equilibra
sobre um abismo de miragens

CICATRIZES

a vida não nos provoca nenhum sofrimento
e sim as coisas que estão dentro
e querer jogá-las fora
é o mesmo que mandar a vida embora
essas coisas estão na vida
como a cicatriz está para a ferida
não nos provoca mais nenhum sofrimento
mas pode se abrir a qualquer momento

sábado, 11 de fevereiro de 2012

LIÇÃO DE NOÇÃO

quem já se aproximou de um elefante
tem noção do tamanho
quem já se aproximou do amor
não tem noção
quem nunca se aproximou dos dois
não tem noção do que estou falando
o mesmo acontece com a poesia
muitos se aproximam
esperando algo grandioso
e terminam sem noção

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

ELEFANTES

quem alcançou o fim do mar
soube a dor
quem depositou o peso
sobre o poema e o abandonou
quem deixou a cor arder
mesmo apagada
quem pisou sem ver
quem viu e voou
quem soube caminhar
e não chegou
quem respirou o ar que acabou
quem soube retirar a pele
antes do corte
quem descobriu ser desnecessário
ser forte
quem se juntou aos fracos
quem inventou abraços
quem enxergou árvores no escuro
quem soube do futuro
quem não leu
quem não escreveu
ocupou o espaço dos elefantes

RASANTES

pássaros aos pulos
molham a paisagem
entorno meu vulto
entre as suas penas
e a necessidade
seca do poema

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

PRAÇA VERMELHA

o sentimento da neve não é frio
embora não aparente
entre a copa da árvore congelada
há um ninho

COMPRIMIDO

a lua
comprimido que o tempo engole
toda noite
mas não faz efeito
o tempo todo tem defeito

CACIMBA

espalhava o meu olhar
rio acima rio abaixo
a vida criou paredes
ao redor do rio
hoje vivo numa cacimba
espalho olhar aos poucos
debalde

SINGELAS PALAVRAS

espero que estas
singelas palavras
atenda o que você procura
está claro
que a poesia é a saída
para um lugar
mais escuro

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

GARGALHADAS

minha gargalhada
sob a sombra da morte
esquenta do mesmo jeito
meu sorriso é mais para o outro
do que pra mim
a morte é para todos

POEMA DIFERENTE

queria escrever um poema diferente
onde não houvesse palavras
mas o não dizer
diz tudo que não é poesia
e o dizer com palavras
diz poesia sem dizer tudo
por isso a tentativa fragmentada
emenda minha intenção ao silêncio
emenda o que poderia ser
ao que tem sido

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

ESCURO

a sombra que se desprende do meu corpo
forma nuvens carregadas
melhor dizendo
forma a madrugada
mesmo assim
o que resta em meu corpo
ainda é escuro
por mais que me declare
nada fica claro

IMÓVEL

o núcleo semovente mostrou-se
o sal repleto de ácaros
enganou-me entre os crustáceos
havia um passeio a ser feito
os passos e as outras peças não se encaixaram
os móveis que se movem convidam
embarco na primeira gaveta
não quero que o amor me encontre

VAZIO

pensei que era um ninho
o lugar onde eu me encontrava
eu não sabia que o infinito tinha asas

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

RETRATO

a flanela contra as rugas no espelho

DESTERRO

regresso
como se o tempo permitisse
esse desaforo
levo pra casa
e encontro nem o alicerce
o terreno pendurado nas garras do tempo
se eu fosse pequenino seria um terremoto
sou apenas um sopro
sem o vento

LAGO

os componentes do lago
parecem calmos
como se fossem de água
e a água do lago quando fala
parece calma
mas espuma por dentro
da alma

FILTRO

do filtro por onde passou o homem
pouco sobrou de poesia
ela atravessa tudo
atravessa os poros os plásticos
atravessa a avenida sem olhar para os lados
atravessa essa página
sem deixar rastro

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

VISÃO DO TELEFÉRICO


se a culpa fosse um gigante
passearia num teleférico
usaria as tripas como cabos
e a alma pontiaguda
forrada no fundo do abismo
assistiria à queda

JASMIM

sempre pensei
que só existissem
dois tipos de jasmim
o que lembrava os mortos
outro que lembrava a infância
hoje descobri
um terceiro tipo de jasmim
o que lembra
o poema que não escrevi

HOSPITAL

a visão de uma flor
dessas que a gente nunca vai saber o nome
entre a calçada e a porta de entrada do hospital
dessas que a gente nunca vai saber se tem perfume
devido a impossibilidade de curvar-se e colhê-la
a visão de uma flor
que vai ficar na memória
enquanto te abrem

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

MÁSCARA

o mundo
é um palhaço degolado
que insiste
em se ver maquiado

MECANISMO DE LEITURA

então depois que foi escrito
fica difícil não doer
o que foi pensado
não é o que está escrito
o que está escrito
não é o que vai ser lido
e o que vai ser lido
do mesmo modo
não vai ser pensado
e o que era escuro no início
torna-se dor em princípio

O POEMA QUE NÃO CABE MAIS AQUI

o tamanho do sonho
independe da cabeça
aliás um sonho
não depende da cabeça
esse poema era um sonho
não cabe mais aqui

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

RASGANDO PAPÉIS

quando não querem
ser rasgadas
as páginas se dobram
o mesmo não pode
fazer as palavras
quando menos esperam
são rasgad

PASSAGEM

as coisas que senti
encheram as malas
viajar requer passagem
todos os meus passos acabam nos muros
desfaço as malas penduro as coisas no futuro

PAISAGEM RASA

a grama
com seu músculo desordenado
a árvore só com a desordem
a chuva sem apelo
completa o quadro
tudo poderia ser mais puro
se o ar não fosse raso

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

INSÔNIA

a escuridão do quarto interrompida
pelas luzes da rua
elas piscam no teto
lubrificando suas pálpebras
durante o intervalo me olham
como seu eu fizesse parte da escuridão
depois voltam a dormir e sonham
como se eu soubesse existir

O CORPO E O SONHO

durante o sonho
não precisamos do corpo
para nos locomover
o corpo não precisa do sonho
para se mover
então
como desenvolver essa idéia
sem platéia
como utilizar as palavras
sem torná-las
demasiadas

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

ANGÚSTIA

eu não sabia que a angústia
estava apenas de passagem
sentei ao seu lado

ESTÁTUA

a tarde caiu
mas não senti nas minhas costas
a linguagem adiante
as bocas parecendo fáceis
caminhei até onde era possível
agora imóvel espero os pássaros
e as fotos guardadas nas máquinas
vão me remover

BERLIM

como se desdobrassem meus músculos
assim ficaram os acordes
entre as ruas e os automóveis
e entre a minha pele e o musgo
os anúncios grafitados
meus gritos guardados nas latas utilizadas

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

FORA DA CASCA

às vezes e
raramente
o tempo está ao nosso lado
a chuva ajuda a lavoura
o sol ajuda a salmoura
e fatalmente sempre acaba
quando estamos fora da casca
não há como recuperá-la
e o tempo ao mundo
nos demonstra

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

MORDAÇA

o estrondo que a veia faz
não se escuta daqui
abafado pelo sangue
nosso grito como o da veia
fica contido entre os membros
e algo parecido com o coração

INUNDAÇÃO

o rio quando se alarga
abraça o tronco da árvore
como se fosse remédio
pensa em derramar-se por dentro
a árvore alarga o passo
não se deixa seduzir
por pensamentos

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

NAVIOS DE VERDADE

o que se pode esperar
de um falso mar 
repleto de navios de verdade

o que se pode esperar
de um abismo fechado
entre os trilhos

e os passageiros dos navios e dos trens
catando palavras parábolas
como pulgas catam sangue
nas costas do mundo
e morrem anêmicas

INTESTINADO

o mundo me intestina
e me empurra
ao fim do túnel
absorve as minhas coisas boas
expele as minhas coisas ruins
não sei que corpo é esse
que toma conta de mim
nem sei se ele quer meu fim

ESCORRO

com o tempo costurado em meu bolso
escorro líquido sobre o mundo
não sei se vou desaguar
o mundo não é um leito seguro
para se afagar
mesmo líquido sinto rasgar
não sei se vou desaguar

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

PONTO FINAL

agora tenho
motivos de sobra
para por um ponto final em tudo
e vou passar tanto tempo
relacionando os motivos
que não vou ter tempo
de por o ponto final

PAISAGEM AO FUNDO

a angústia do osso sem a carne
algo parecido com a vida
cobre a passagem
lugar de chegada sem volta
inútil olhar se não há paisagem
não há como parar ou seguir
os sentimentos ficaram
sem saber aonde ir

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

PARA FAZER FUNCIONAR

como as coisas funcionam
um poema não sabe
como funciona um poema
ninguém sabe
fazer funcionar um poema e as coisas
essa é a coisa

CRESCENTE


a lua pendurada na nuvem
a cicatriz da luz nas costas do mar
o mar reflete
não tem coragem de engolir

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

PEQUENA HISTÓRIA SEM FIM

ele era ruim
tão ruim que nem tinha nome
porém na época de amar até que amava
na época de odiar até que odiava
conheceu gente e desconheceu
mostrou-se ao mundo
e também se encolheu
viveu tanto
que com o tempo
foi se deformando
até tornar-se humano

CORREDOR SEM FRESTAS

meus olhos ficaram perdidos
em algum momento na infância
percorro cego o mundo adulto
sem saber que é escuro

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

PARTIDA

abro parênteses
ficam esperando
abri sorrisos e nada esperaram
pensam que são minhas essas palavras
pensam que é meu esse sorriso
se não estão dentro de mim
não são mais meus
corto em silêncio as amarras
parto

ALPENDRE

inútil conversa
nem era passado
e já nos ultrapassava
deixou-nos a poeira
esse sol usando a chuva como bicicleta
pudera o olhar
tornar-se lama
onde tudo mergulhara

ENGOLINDO MOSCAS

da mosca que se engole
aproveita-se alguma proteína
com um pouco de sorte
aproveita-se a asa
e com mais sorte
aproveita-se o vôo
e com ele
cruza-se a linha do equador
sem precisar do olfato

QUANDO RECUPERAR MINHA CABEÇA

voltarei a sonhar
quando recuperar minha cabeça
eu a deixei na porta
em alguma estrada morta
não bastassem os automóveis
passando por cima
a terra não se move
diante da rima
quando recuperar minha cabeça
navegarei em sonhos
rio acima

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

A DOR DEPENDE DO CORTE

nem sempre sou assim
quando chove cócegas
posso até sorrir
se abrirem minhas costas
posso até gritar
dependendo do corte
posso até sangrar
dependendo da faca
posso até amar

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

CHUVA NO ROSTO

a chuva não modifica a nuvem
depois que passa
apenas a deixa mais clara
rega as plantas e os esgotos
assim funciona a lágrima no rosto
não modifica a dor
apenas a torna mais clara

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

A TRANSPARÊNCIA DO NÃO

a transparência é uma característica do não
por isso o não precisa ser sólido
quando for mencionado
se for omitido melhor deixar líquido
assim se engole mais fácil
não cabe no não nenhuma cor
se acaso colorir torna-se um talvez

QUASE UM SONHO

pensei que o sonho havia terminado
eu estava sonhando de olhos abertos
e não estava drogado
não acordei para o mundo
acordei para o que eu precisava
e o que é preciso só em sonho
só em sonho eu me acordava

TRAÇA

enquanto não é livro
não há perigo de traça na palavra
melhor mantê-la assim solta
ligando nada a nada
dentro da tua boca
longe da boca da traça

RITO NOTURNO

encerro o ritual noturno
escovando os dentes
escovo demoradamente
pode ser a última escovada
nunca se sabe o que os sonhos nos reservam
às vezes eles nos obrigam
a acordar do outro lado

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

PAISAGEM CULTIVADA

posso inventar uma janela
e perdê-la
mas não quero
prefiro cultivar paisagens
onde eu possa planar
com as minhas asas de chumbo

NATUREZA

nasceu do que bebeu
viveu do que comeu
morreu do que cedeu
o pai um elefante
a mãe autofalante
o filho dessemelhante
quando na hora de ouvir olvidou
quando na hora de ver averssou
quando na hora de falar faliu
eqüidistante da luz autofalante
do pisante leve do elefante
do carinho vazio dessemelhante


quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

DIA NOITE

o sol desenrola seu novelo de luz
até onde o horizonte alcança
depois disso
a luz cansada
começa a estirar a língua
da escuridão
até alcançar o outro lado

A VELOCIDADE DA PALAVRA

a velocidade da palavra
nunca é compatível com o local
ou é dita antes
ou chega atrasada
o combustível
para a velocidade correta da palavra
quem souber beber
esse combustível
quem souber
qual o correto combustível
saiba a velocidade correta
de dizer

PROBLEMA DE MATEMÁTICA

não sou tio
do meu número primo
nem seu pai
nem sua mãe
meu número primo
não cabe nessa página
é maior que um poema
a finita poesia
esse é o problema

NOVA FLORESTA

os prédios plantados ao redor da árvore
a sombra dos prédios sobre a árvore
as raízes do prédio empurrando a raiz da árvore
os frutos do prédio comendo os frutos da árvore
a água dos prédios sugando a água da árvore
os prédios secando a árvore
a árvore escondida sob o prédio
o prédio soterrando a árvore

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

INÚTEIS VERDADES

e se a poesia fugisse
e o que ficasse
mostrasse a sua inutilidade
então não seria fuga
seria a verdade

O PASSO E A SOMBRA

mesmo encharcado pela brisa
o olhar não bebe
a parede derramada
na minha madrugada
já houve areia
agora é limpa
desliza entre o passo e a sombra
sonhar é intrometer-se à vida

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

OS CULHÕES DO MEU PAI

onde a minha vida começa
cheira ao corpo da minha mãe
houve saliva
úmido vale
plantas
marcando as costas do verão
houve a solidão
dividida entre os testículos
onde a minha morte começa
cheira ao corpo do meu pai
houve olhares
precipícios de luzes
nãos
feitos de carne e sangue
houve a escuridão
encharcando grandes lábios de cruzes

FUNERAL DE UM AUTOMÓVEL

para onde vai o automóvel morto
e a sua alma
perfumada a gasolina
pobre dos seus
ao seu enterro
acompanhando a pé
de óleo ainda
não é a lágrima
preservam o olho a face
da comum ferrugem
misturam o pranto
ao barulho do motor enterrado

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

VERÃO

o mar
ampara o céu
com o sal

ANO NOVO


o calendário
não altera a paisagem
a árvore é a mesma
a rua e sua curva
as pessoas caem como as folhas
depois retornam com a enxurrada
o calendário
não altera o dia
a dor a angústia a agonia
ficam arquivadas
nos bolsos das horas
talvez não saiam nunca
talvez apareçam agora

DEPOIS QUE MORREM

  sei para onde vão as mães depois que morrem a saudade forma um túnel e a luz que vem em sentido contrário as transformam em cinz...