sexta-feira, 17 de outubro de 2025

CAPINANDO

debaixo do sol

a pele o suor e a fome

depois vem o dinheiro

não dá pra comprar muita coisa

mas dá pra comprar alguma coisa

 

tivesse mais tempo

daria pra comprar mais sombra

mais vento

e alguma coisa pra comer

que não causasse espanto

 

não tem tempo

para a palavra

olha o cartaz com a moça sorrindo

rodeada de letras coloridas

sabe as cores

não sabe o sabor de cada uma

quinta-feira, 16 de outubro de 2025

SOPRO

 

poetas fingem destinos

criando o que ninguém vê

 

cobrem de palavras

o sopro que apaga o silêncio

FLOR DE CAPIM

  

independente da sobra

a flor de capim

nasce entre os passos

tal qual um fruto sem memória

amarela

exala a sua raiz

em direção ao fim


EXERCÍCIO CONSPIRATÓRIO

  

respiro fundo

caminho olhando para o alto

inutilmente

a nuvem tenta esconder

o azul do céu

abismos me temem

ou os que se abriram

me recebem como pedras

risco com fumaça as artérias

que por acaso me abraçam

JAULA

 o que o vizinho faz

com a minha angústia

não me diz respeito

 

abro o peito

na esperança da fuga

do coração enjaulado

 

debalde

ele se esconde

no lugar onde não existo

segunda-feira, 22 de setembro de 2025

O QUE A MINHA BOCA FAZ

 o que a minha boca faz

em benefício próprio

nem ela pode falar

 

talvez sorrir modifique a

a paisagem a ser engolida

 

talvez morder altere a

forma da palavra a ser dita

 

abraçado ao silêncio jaz

o poema que a minha boca faz

sexta-feira, 19 de setembro de 2025

OS PIORES POEMAS

 

não existem poemas

melhores que os outros

existem os piores

e a estes dedicamos o melhor

da nossa parte

até que ele alcance

o melhor da pior parte

 

não existem poemas

piores que os outros

existem os melhores

e a estes dedicamos o pior

da nossa parte

até que ele alcance

o pior da melhor parte

 

não existem poemas

melhores nem piores

nem existem poemas

e a estes dedicamos

nossos melhores

desastres

como este

por exemplo


AS MÃES SEMPRE VOLTAM

as mães sempre voltam

mesmo as que não são aladas

mesmo as que são feitas de espuma

e que flutuam longe do alcance de nossos olhos

 

as mães sempre voltam

mesmo as degoladas

cujos rostos não são mais possíveis

e mesmo as cegas

nos alcançarão com o tato

ou as cegas amputadas

nos encontrarão pelo cheiro

 

as mães sempre voltam

mesmo as mortas

que nos ofuscam

com a sua luz embalsada

 

as mães sempre voltam

mesmo que não queiram

mesmo que nem existam

brotarão do tronco da memória

repleta de tristezas

interrompida aqui e ali

por algo parecido com a alegria

e nem saberemos que é alegria

mesmo assim será suficiente

para nos fazer sorrir 

OBSTRUÇÕES

 

às vezes o poeta acerta na veia

geralmente quando isso acontece

é tarde demais

não dá tempo de chegar a tempo

a palavra que o poeta buscava

desaparece na página

e a veia que ele pensava que acertara

não passa de uma artéria

obstruída pela fala

terça-feira, 1 de abril de 2025

TUTANO

 tá difícil o mundo

quando parece que vamos engolir

destempera

 

e em seu lugar vai a nossa carne

a parte longe dos ossos

 

porque os ossos precisam de amparo

fingir parecer uma pessoa

fantasiada de esqueleto

terça-feira, 14 de janeiro de 2025

FOLHAS SOLTAS

 

raramente grampeio as páginas

deixo as folhas soltas

espero o vento

 

quem sabe palavras

venham junto

 

CAPINANDO

debaixo do sol a pele o suor e a fome depois vem o dinheiro não dá pra comprar muita coisa mas dá pra comprar alguma coisa   tiv...