MARINHA

meu coração em riste
ao sentir a súbita
saudade da chuva

incontinente
corpos sem plásticos
flutuam diante dos canhões

e o cheiro do mar
divide a tarde
em facções

PELUZ

os míopes enxergam no escuro

descobri isso quando apagaram as flores

meu tato estava descalço

minha fala estava sozinha

mesmo assim consegui

erguer os muros de luz

agora é a minha pele

FERRUGEM

meu amor é feito água
água corrente enferrujada
água parada
água salgada
eu bebo todos os dias
bochecho e aspirjo no mundo
bebo num copo sem fundo

MADRIGAL

a borboleta corta a paisagem
sem utilizar lâmina
a paisagem ondulada
pelo vôo
empalha a borboleta na memória

DESSEDENTE

claustrófobo
recuso o ventre materno
recolho-me ao porvir
mato minha sede
com o fim

TRESPIRAÇÃO

o ar sem você
: um bloco de pedra
entre dois poros

o ar com você
: canal sem paredes
repleto de luz

TALAR


as coisas provisórias
me deixam devastado

a poesia, a vida
em minhas mãos feito água
não me regam
nem matam a minha sede

contrito
me enterro por dentro
antes do tempo