segunda-feira, 13 de abril de 2015

DE CASA PARA O TRABALHO

DE CASA PARA O TRABALHO I
  
o sonho escorre pelos cabelos
e se entranha na fronha
imperceptível a olho nu
mas o olho da memória
enxerga tudo até o cheiro
o despertar interrompe a atmosfera
a cabeça verticaliza
e vazia de sonhos
mergulha no esquecimento



DE CASA PARA O TRABALHO II

a água vista por dentro
lembra um sonho
aquele no qual nos molhamos
e mesmo acordados
continuamos afogados



DE CASA PARA O TRABALHO III

automóveis e transeuntes se apunhalam
o sangue derramado forma as avenidas
eu não nasci ainda
talvez por isso pareça apagado
movo o corpo como quem morde
meus dentes são de asfalto
meu hálito poluído de barulhos
me obriga a vomitar a cidade


DE CASA PARA O TRABALHO IV

escorro pelos corredores
os corredores entram em mim
pelas artérias
carimbo a tarde inteira
pequenos desenhos do sol
que insiste em nascer todos os dias


DE CASA PARA O TRABALHO V
as pessoas são compostas de pedra e mercúrio
pouco ouro sobra nessa hora
os ossos desvalorizam o entulho
talvez os nervos e os músculos
retomem a dianteira
e mesmo chegando antes
ainda assim será tarde



DE CASA PARA O TRABALHO VI
o dinheiro cai na entranha como uma lâmina
despedaça por dentro o que era fácil
mostrar um silêncio intenso
quando a dor estiver em coro
a alegria não cabe no bolso
nem cabe na mão
o dinheiro não paga
nem quando a vida apaga


DE CASA PARA O TRABALHO VII
ter um lugar para voltar
sem ter razão para voltar
sem um corpo que possa levar
sem um segredo novo
sem asas
sem ar
dobro as etiquetas antes de me guardar na mala
as marcas são turvas como se fosse um aparelho
volto ao ponto de despedida
   

DE CASA PARA O TRABALHO VIII

a noite dorme de bruços
por isso não escuto o seu coração
o que goteja no silêncio são luzes
de longe parecem estrelas
de perto parece emoção


DE CASA PARA O TRABALHO IX

dormir não tem dobraduras
é reto como um sonho
eu queria voar do meu olho para fora
mas meu olhar não tem hora


DE CASA PARA O TRABALHO X

a corda sempre irrompe
na casa do enforcado
o piso tenta alcançar os pés
debalde permanece engolindo a sombra







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